terça-feira, 29 de julho de 2008

Jornada Dupla

Depois do divórcio, as coisas ficaram cada vez mais confusas para ela. Havia agora um espaço livre em sua agenda que ela não sabia preencher. A princípio aquilo serviu-lhe de descanso, mas foi passageiro.
Tornou-se então uma viciada em trabalho – não de um dia pro outro, mas de maneira lenta e gradual, o que é ainda pior. Enfermeira atarefada como era, nunca tinha pausa em seu expediente. Nem por isso era necessário dobrá-lo, como fez. No primeiro momento, a chefia foi contra, mas ela não exigia nenhuma mudança no pagamento. E que chefe não aceitaria um acordo desses?
Apesar de dormir cada vez menos, voltava agora a se sentir feliz e descansada. Já voltava a pensar na família, no marido bem sucedido e nas crianças que foram ficar com ele. Sentindo-se tão bem, percebeu que já podia voltar ao estilo de vida normal. A chefia não aceitou, alegando que duas outras enfermeiras já haviam sido despedidas por causa dela.
O que se passou a seguir é que foi curioso. Em seu sono extremamente diminuto, passou a sonhar demasiadamente. Sonhos bons, ruins, muitos sem o menor sentido – como acontece com a maioria das pessoas. O problema é que trazia problemas do trabalho para casa e isso passara a impregnar seus sonhos – também de maneira lenta e gradual. Sonhava com coisas que haviam acontecido ou que ainda estavam para acontecer.Seu sono agora estava cheio de pacientes, cicatrizes, curativos...
Em pouco tempo aquilo passara a ser usual, até o dia em que o sonho deixou de parecer sonho. Não sabia mais se dormia ou estava acordada. Podia tomar todas as drogas do hospital para acordar, mas havia a possibilidade de que não estivesse dormindo. Acostumou-se com a situação: uma vida dupla. Se bem que não se tratava de uma bipolaridade, nem de nenhum distúrbio desse tipo. Estava mais para uma rotina dividida em duas história idênticas, um déjà vu permanente. Todas as histórias começavam com ela acordando e terminavam com ela indo dormir. Já não havia mais sonho para aliviar a vida, nem vida para aliviar o sonho.

3 comentários:

Anônimo disse...

meu Deus que triste

grazi shimizu disse...

idem julia (porém muito boa).

Anônimo disse...

Uau, essas crônicas estão virando minicontos muito bons. É difícil ser conciso e preciso.

Vocês se superam a cada dia, rapazes.