terça-feira, 30 de junho de 2009

patofagia

procuro loucamente pelo quarto um caderno para escrever algumas palavras. com a caneta na mão, não encontro.

o que acho é esse pedaço de papel, tão fragmentado quanto estão agora as ideias que tinha sobre o que escrever aqui. paro e tento entender se queria passar essas palavras para o papel, tentando me comunicar com alguém, ou se é apenas mais uma vez que escrevo por esse vício crônico de colocar os meus berros no papel e depois guardá-los na gaveta com canetas sem carga e maços amassados.

os pensamentos que não fluem me fazem colocar essa maldita música que me joga na cara tantas verdades. minha mão caminha sozinha para o telefone procurando o número dela na memória. enquanto a ligação chama, ela deve estar dormindo pela demora para atender, sinto o medo do qual fujo ao guardar minhas vontades na gaveta.

e ela atende dizendo o meu nome.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

11.10

quero saber onde está aquele sorriso que você costumava deixar em meu rosto. aquele seu cheiro que grudava em minha camisa. aquela sua existência paralela em meus pensamentos.

quero saber onde foi parar aqueles sonhos que tivemos. aqueles planos que traçamos. aqueles momento que vivemos.

quero saber o que vou fazer sem aquela certeza de te ver numa noite de sexta. quero saber o que fazer sem aquela incerteza do que você acharia do meu novo corte de cabelo. sem aquela auto-cobrança de ser merecedor de dividir os dias contigo.

quero saber onde posso te encontrar. se você está atrás de mim em minhas lembranças. se você está ao meu lado na fotografia do porta-retrato. se você está na minha frente para que eu possa dizer, ao menos mais uma vez, o quanto preciso de você.

domingo, 21 de junho de 2009

bailarina prisioneira

sabe aquelas 'paixões' por pessoas desconhecidas que encontramos de vez em quando?

a minha é a bailarina prisioneira.

toda terça e quinta-feira é dia de encontrá-la, sempre sorrindo atrás do portão que a separa daquele mundo estranho dos primeiros minutos de fim do horário comercial. pessoas correndo, ligando para namorados, amigos, amantes. pessoas com fome, pessoas sorrindo, pessoas planejando o que fazer nas horas que lhe restam do dia. pessoas sozinhas com a sinfonia de buzinas ao fundo.

e a bailarina parecendo tão inabalável ali com seu sorriso. o cabelo ainda preso e sapatilhas na mão. imagino como seria a sua voz ou a sua risada com o cabelo solto, caindo sobre os ombros naquela luz do sol de fim de tarde que parece procurá-la.

nem cogito a hipótese de falar com ela. prefiro que continue atrás das grades daquele portão e do meu pensamento. e sempre com o sorriso no rosto.

sábado, 20 de junho de 2009

sobre jardins e lixos

Alan estava cansado. Queria olhar pela janela, mas sabia que a realidade por trás daquele vidro embaçado não iria agradar.
Não aguentou e deu uma leve puxada na cortina. Corre lentamente os olhos pelo gramado e lá estava ele novamente: o lixo. O problema do sujeito era que esse lixo não lhe pertencia, por algum motivo outros traziam os lixos deles para seu jardim.
As pessoas que ali passavam tinham como primeira imagem aqueles sacos de material em decomposição, o jardim de Alan não era sequer olhado pelos transeuntes. Ele ia até lá quando o Sol já não era mais o seu holofote natural, tirava aquele lixo dali, limpava o churume que corroia sua calçada e regava seu gramado.
No dia seguinte lá estava o lixo novamente e Alan já não agüenta mais isso. Por que as pessoas tinham que trazer mais lixo para alguém que já tem o seu? Por que cada um não cuida de seu lixo? Você produziu o seu lixo, por que eu teria que ficar com ele na minha porta?
A solução para Alan parece ser simples. Seu jardim não ficará mais à vista das pessoas. Irá erguer ali um muro alto, que esconda tudo dos outros. Não mais verão jardim ou lixo.
E Alan não terá que tratar com a podridão dos outros.

sábado, 13 de junho de 2009

II

só percebo que errei o caminho quando me encontro sozinho e só me acho novamente ao fugir dessa sombra que me persegue. essa sombra passada que tem minha forma, mas não sou eu. que tem minha voz, mas não sou eu. não sou eu.
rompo com ela ao cortar os punhos e me livrar dessas algemas. o sentimento de liberdade é o anestésico para o cortes.
vejo frases curtas entrecortadas pelos meus pensamentos. e pela voz de bethânia que rasga a noite. vejo garrafas vazias. vejo os olhos pesados no espelho. esses olhos não são meus.
e me deito nessa cama de bitucas. e vejo as frases curtas com muitos pontos. muitos pontos e poucos finais.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

cruzeiro do sul

me pega pela mão e me mostra caminho de volta pro teu colo. sinto falta da segurança que me passava ao cobrar atitudes de 'gente grande' que, até então, eu não saberia ser capaz de ter. tinha a certeza de conseguir o que pedia.

deito na minha cama e sinto seu cheiro no travesseiro. saio como animal caçador atrás de ti pela noite afora. talvez essa busca em minha mente seja o que algumas pessoas chamam de sonho - ou alucinação.

tenho delírios por dias seguidos mas o relógio não se move.

preciso te reencontrar para encontrar o meu caminho no brilho de seus olhos. e ali me perco. e ali me acho. e ali eu cedo. e ali eu caio.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Sacrifício

- E aí Norberto, como vai?
- Tudo bem. E com você?
- Bem, também.
- O que conta de bom?
- Ah rapaz, estou escrevendo minha biografia.
- Nossa que bacana. Mas sua vida é normal, não é Edson? Quero dizer...essas personalidades que tem essas coisas, não é?
- É, então...cheguei ontem a mais ou menos hoje, escrevi quase nada e não tenho o quê escrever.
- A gente só serve pra isso quando morre. Cê sabe que outro dia eu tava lendo o obituário do seu José, aquele do clube, não fez porra nenhuma a vida inteira, mas o texto me deixou comovido, chorei com o texto o que eu não chorei pela morte do coitado! Hahaha

Edson ficou pensativo. Observou um ônibus que vinha em alta velocidade. Olhou para Norberto e empurrou-o na rua.
Assim ganhamos os dois.