terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Grandes passos, rumo a só Deus sabe o quê

Um programa muito engraçado chamado “Daily Show: Global Edition” fez uma comparação entre Bush e Obama.
Para o desconforto do público, a piada não era o antigo presidente. A base do humor era a semelhança dos discursos do velho e do novo presidente.
“Nós escolhemos a esperança ao invés do medo”
“Nós não vamos nos desculpar pelo nosso estilo de vida”
Qual frase pertence a qual presidente?
As duas são de Obama. De seu discurso de posse. Por incrível que pareça.
Seguindo o programa, pergunta-se a uma das jovens histéricas presentes na posse: “quais são as mudanças que você gostaria que fossem realizadas?” A resposta é um sonoro “humm...”
Não é de se impressionar. Dizem que para mudar, o primeiro passo é admitir o erro. É meio difícil começar uma transformação política, quando você não sabe nem o que está errado. E é lógico que quando um maníaco larga o poder, é um motivo e tanto pra se comemorar.
Talvez por isso haja tanto espetáculo e tanta esperança. Esperança, não confiança. São coisas muito diferentes.
Só o tempo irá dizer se Obama é merecedor do que lhe foi dado. Usando uma gíria do Texas, terra de Bush, tomara que o novo presidente não seja “muito chapéu pra pouco gado”.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Ricardo era muito corajoso. Mas as outras pessoas não sabiam disso. Não que ele fosse um exibido ou precisasse mostrar que era corajoso pra ganhar um lugar na roda-gigante que esmaga os perdedores. Não. Ricardo desejava mostrar que era corajoso para instigar outras pessoas a também cometerem atos corajosos. Desconfiava que o Medo estabelecera uma ditadura. O medo paralisava as pessoas; precisava cortar a cabeça da medusa e ele seria Perseu.

Quando assistia filmes com sua namorada, nas horas que o herói se arriscava para salvar a mocinha ele vibrava. Achava aquilo muito excitante. Uma vez até pensou em jogar a namorada na jaula de um leão só pra depois pular lá dentro, lutar com o animal e resgatar a dama. Mas conteve-se. Além do que o leão do zoológico era tão magro e anêmico que seria uma covardia bater nele. E isso: co-var-dia; Ricardo não admitia. Sentia ódio dos covardes.

Um dia, Ricardo passeava com sua namorada na praça. Já estava anoitecendo. Mas Ricardo não temia a noite. Sua namorada nem tanto corajosa, advertia para que voltassem. Mas ele queria dar mais uma volta na praça. Quando dobraram a esquina do velho Carvalho deram de cara com dois elementos. Ricardo empalideceu. Um deles puxou uma arma. As pernas de Ricardo bambearam. Cala boca e passa a bolsa vadia! Antes do dia de va-dia, Ricardo arrancara a bolsa e dera aos bandidos. Os dois riram do pânico do menino e saíram tranquilamente. Olha aqui sua vagabunda, se você contar alguma coisa do que houve aqui, eu te mato, ouviu? M-A-T-O. Ricardo era um covarde. Mas as outras pessoas não sabiam disso...

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

fANAtismo e caps lock

minh’alma, de sonhAr-te, anda PERDIDA
meus olhos andam cegos de te ver!
NÃO és seQUER razão de meu viVER,
pois que tu és já toda A minha VIDA!

não vejo nada assim ENLOUQUECIDA…
passo NO mundo, meu AMOR, A ler
no misterioso livro do teu SER
A MESMA história tANTAs vezes lida!

“tudo no mundo é frágil, tudo PASSA…”
quando me dizEM isto, toda a GRAÇA
dumA BOCA divina fala EM MIM!

e, OLHOS postos Em ti, vivo de RASTROS:
“ah! podem voar MUNDOS, morrEr ASTROS,
que TU és como dEUs: princípio E FIM!…”


com florbela espanca

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Sabor pela angústia

Saiu de casa agasalhado para o frio da madrugada, com a seriedade de quem vai a um enterro. Recostou-se na porta da frente e acendeu um cigarro.
Era muito bem letrado, por isso mesmo pensava agora em vários nomes pra si mesmo: vil, desprezível, inconseqüente, irresponsável. Pensava isso apenas para impressionar a si mesmo, numa tentativa patética de dissuadir-se daquilo que já havia decidido.
(Um cidadão exemplar, que pagava seus impostos com uma exatidão admirável. Nenhum desleixo com a mulher ou com o menino pequeno. Correto até o último fio de cabelo. No mais, experimentava às vezes um escape através culpa - deixava o gás ligado, prevendo a casa e os móveis em chamas. Ciente do que fazia, derrubava a porcelana chinesa ou se atrasava para o jantar. Enfim, um paciente em potencial para o Dr. Freud).
Cigarro terminado, ele reergueu a mochila que levava consigo. Olhou pra trás na busca de um escrúpulo. Não veio nenhum.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Gota D'Água

Marta terminava de preparar o almoço. Colocou os pratos na mesa, enxugou a testa com o avental. Pegou no armário os comprimidos, já eram quatro. Chamou os meninos e foi buscar o pai na sala. Macarrão à Bolognesa, agrados ao seu Onofre. Depois de uma manhã exaustiva - buscar o pai no hospital e arrumar a casa -, finalmente o almoço. Antes, rezaram. Vô me passa aquele copo, seu Onofre levantou os olhos do prato e parou por alguns segundos com o copo na mão: Quem são esses dois?. Marta desabou em soluços e lágrimas. O Alzheimer fora diagnosticado há poucas semanas, embora avançado.

Os lapsos de memória eram cada vez mais freqüentes, mas nunca ocorrera esquecer dos próprios netos. À tarde, recuperada, conversou mais uma vez com os filhos e explicou o vovô está doente e às vezes acontece sabem...temos de ajudá-lo. Na sala, Marta tinha colocado um cd de bossa nova, paixão de seu Onofre. Fazia o possível pra amenizar aquela condição.

Marta sonhara a vida toda com um casamento perfeito. Como de seus pais: afastados apenas por Deus (e momentaneamente). Lembrava das fotos que sua mãe lhe mostrava, linda com aquele vestido branco: exibindo sorridente e orgulhosa a barriga de quatro meses. A mãe contava-lhe como conhecera seu Onofre, gabava-se dizendo que ele não resistira a seu charme. Seu pai me confessava ser o mais feliz dos homens. Contava à filha que depois, com os anos, as coisas mudavam com os casais, não era mais aquela paixão ardente, de corpo, mas um amor maduro, de alma. Por isso que seu pai hoje é meio quieto. Marta passava as mãos sobre as fotos se imaginando no lugar, já vestira o vestido da mãe. Lia romances românticos, não suportava os realistas.
Conheceu Ângelo quando tinha 22, paixão arrebatadora. Largou a faculdade, vontade própria; não que quisesse ser Amélia, mas os estudos não lhe agradavam. Dois anos depois, casou. Tiveram Pedro e João. Completariam catorze anos de casamento quando descobriu a traição. Divorciou-se.

A mãe morrera dois anos antes da separação, aos 58, câncer no colo do útero. Foi o primeiro golpe na vida de Marta. Sustentou-se nos pilares do casamento, que mais tarde ruíram. Há pouco o Alzheimer do pai. Como se não bastasse tanta desgraça, Marta entrava nos quarenta: a menopausa. Tirava forças do além (e dos remédios) pra cuidar dos filhos e, agora, do pai.

A doença piorava assustadoramente. Os períodos de lucidez foram escasseando-se e os delírios cada vez mais preocupantes. Os remédios combatiam a degeneração da memória, mas pareciam colocar o velho na corda bamba entre a sanidade e a loucura. Marta virara enfermeira do pai, ficava boa parte do dia com ele. Sobrevivia penosamente da pensão dos filhos.
Era música quase todos os dias, Onofre não gostava muito de televisão e Marta pensava que a música poderia ajudá-lo a relembrar das coisas. Uma tarde, eles estavam na sala e começou a tocar “Minha Namorada”. Marta percebeu um murmúrio do pai. Aproximou-se o quê pai? , ele repetia, na terceira, ela pode distinguir: Helena . Helena? disse em voz alta e despertou o pai do transe. Marta ficou intrigada mas não deu maior importância.

Passados alguns dias, encontrou Dona Rita no supermercado, velha enxerida e fofoqueira, antiga amiga dos pais. Perguntou sobre seu Onofre, mentiu respondendo estar melhor. Marta lembrou da tal Helena, você sabe de alguma helena conhecida de papai? Percebeu que a velha se perturbou e tentou disfarçar: Não, não sei, não. Três "nãos" seguidos, suspeito...mas mesmo assim, não insistiu.

Na mesma semana, o pai teve um surto e repetia incessantemente aquele nome. Marta resolveu esclarecer aquilo. Depois que Onofre adormecera com os remédios foi até a casa de Dona Rita. Indagou novamente sobre a tal sem contar os acessos do pai. Percebeu a negligência da outra, mas sabia que estava louca pra contar. Insistiu mais um pouco e pronto, Dona Rita despejou quem era a tal de Helena.

- Nos tempos de colégio, seu pai tinha uma namorada pela qual era tremendamente apaixonado: Helena. Mas, ele sempre foi muito ciumento, uma noite, num baile, os dois brigaram feio; Helena também era apaixonada por Onofre, mas o ciúme era asfixiante. Nessa noite, Onofre acabou saindo com Ana, pra dar o troco, ou melhor para provocar a Helena. Foi apenas uma noite. Depois disso, o antigo casal 20 voltou e diziam que se preparavam até para marcar a data. Algumas semanas depois, sua mãe apareceu grávida. Seu pai teve de desmanchar o noivado e a contragosto casar-se com sua mãe.

Foi a gota d´agua. Marta que repudiava traição era ela mesma fruto de uma. O casamente de seus pais era uma mentira e ela a vida toda aspirou a essa mentira. Agora, para Marta, as coisas se esclareciam, aquele almoço nos quais ele não reconhecera os próprios netos não fora por causa do Alzheimer, ele não os reconhecia como netos mesmo, filhos de uma filha indesejada, uma filha fruto do acaso, pior: da tra-i-ção. Se sentia uma filha maldita. “O bebê de rosemary”, mas a própria rosemary era má.

Na volta pra casa, passou numa farmácia e comprou o cianureto, gatos da rua me perturbam mentiu ao farmacêutico. Chegou em casa e terminou a sopa que preparara para o jantar. Três pratos na mesa, adicionou o cianureto nos três. Chamou os filhos para o jantar. Quando levava a primeira colherada a boca, Mamãe! Que foi Pedro?! Disse com a voz trêmula A oração...Os três rezaram e jantaram.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Sobre israelenses e palestinos

“O único direito que o governo de Israel nos deixa é o de morrer. E, agora, diante dos homens-bombas, quer nos privar também do direito de escolher a hora e o modo de morrer.”

sábado, 10 de janeiro de 2009

As insanidades de Papai

Meu pai era um médico com difícil acesso à alma infantil. Certa vez ele me ensinou:
- Consegue ver a cavidade craniana no desenho? É ali que fica a inteligência das pessoas. No caso do seu tio, o Tico e o Teco que moravam ali brigaram.
Foi assim que ele explicou a internação de um parente em um sanatório. (Tio Léo, mais tarde apelidado maldosamente de Tio Leléo). O fato é que meu tio, depois de alguns desapontamentos financeiros e amorosos, havia surtado.
Enfim, o que vem ao caso é meu pai e a metáfora dele. Aquela imagem do cérebro, povoado de pensamentos, nunca saiu da minha cabeça.
Durante muitos anos, acreditei na história do Tico e Teco. Mais tarde, numa fase mais Pink Floyd, imaginava minha alma perdida nadando no aquário da minha cabeça.
A essas, seguiram-se outras teorias sobre minha mente, de acordo com meu momento na vida.
Hoje, velho e pervertido, vejo a cabeça como uma residência de ilusões, um palco de cabaré. As dançarinas de can-can entreteram meu tio por um tempo, depois deram-se as mãos, agradeceram e foram embora.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

minhas nuvens

Quando era pequeno, eu gostava de deitar no quintal de casa durante as tardes e ficar por lá, vendo as nuvens espalhadas pelo céu azul. Não tinha aquela pretensão de ficar procurando animais ou outras formas ali, simplesmente ficava lá com o corpo estirado no chão, esperando o avião que passava - fazendo um barulho que eu não entendia mesmo estando tão longe - sumir em algum momento.

Os anos passaram e já não deito no quintal, a não ser que por algum motivo eu caía. Não tenho mais o tempo pra ficar vendo as nuvens do céu - tempo, tempo, tempo, tempo, já escrevi sobre isso, mas meu próximo post será sobre ele. Nesse processo de ficar velho a gente vai esquecendo dessas coisas, hoje só olho pro céu pra saber se vai chover ou pra reclamar do calor.

Mas sabe aquelas coisas que acontecem e você tem aquele 'plim!'?

Alguns dias atrás um passáro passou muito perto da minha cabeça e subiu para o céu. Depois do susto, eu o segui com os olhos enquanto começava a resmungar quando: óóó! que céu bonito!

Parei e fiquei ali naquela calçada. Vendo o céu azul com aquelas nuvens indo e umas nuvens mais altas vindo da direção contrária. Devo ter ficado ali por pouco tempo, só o suficiente para alguém perceber aquilo e rir.

Mas foi boa a sensação, voltar tantos anos em tão poucos segundos.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

A Lagartixa Selvagem

Mais um árduo dia chegava ao fim. Era tomar um bom banho e dormir. Acendi a luz do banheiro e me aproximei do box, foi quando percebi uma estranha movimentação lá dentro. Uma lagartixa percorria todo o perímetro retangular correndo e tentando escalar as paredes, sem sucesso. Deve ser uma lagartixa velha, pobrezinha, suas patinhas perderam a aderência e não consegue mais subir nas paredes, pensei. Fiquei com pena, além do que a pobre se assustara tanto comigo que estava ofegante de tanto correr, fiquei com medo de que seu coraçãozinho não agüentasse e tivesse um piripaque, não suportaria conviver com esse fardo, ter matado a coitada. Tentei acalmá-la mas ela parecia ficar cada vez mais nervosa, me olhava com aqueles olhinhos brilhantes e vesgos em cima da cabeça que davam mais pena. Entrei no box pra tentar ajudá-la com uma pazinha-maca afim de levá-la de volta ao seu habitat. Foi quando ela revelou sua verdadeira natureza. Mal entrei, ela avançou sobre mim mostrando as garras e as presas sedentas de carne. Num reflexo, pulei fora do box e fechei a porta de vidro, que ficou marcada pela violência das garras e presas.

Recuperado do susto, encarei-a através do vidro. Ela dava voltas inquieta. Asquerosa. Foi então que minha natureza humana mostrou porquê está no topo da cadeia evolutiva: corri pegar uma vassoura. De arma em punho entrei no banheiro tal um cruzado na conquista do meu espaço sagrado invadido por um réptil pegajoso. Mas ela não estava mas lá. Que estranho. Porém, não me precipitei. Peguei um balde com água e joguei lá dentro. Era uma armadilha! Ela havia se escondido num ponto cego do box. Quando viu a onda de água em sua direção subiu na parede. Eu sabia que era fingimento, ela não era velha coisa nenhuma...Quando viu a vassoura assustou-se. As vassouras são as arquiinimigas das lagartixas. Das baratas, também. Ela correu até o vitrô. Prensei-a na parede e ela caiu. Quando se viu acuada atacou-me num tudo ou nada. Confesso que recuei (mas apenas um passo). Ela ganhou terreno e pode preparar a fuga. Deixei que escapasse num ato misericordioso.