quarta-feira, 9 de setembro de 2009

algemas

você pode me dizer o que é pior que a agonia da impossibilidade.
talvez o impossível seja a sombra das dores que tomam nossas forças. o soldado que não pode salvar o companheiro, a mãe que o filho partir, os amigos que sentem seus laços desmancharem, os lábios que você não pode beijar.

desespero.

tão distante, mas tão perto fisicamente. a oportunidade em seus braços, te apertando com força enquanto entrega seus últimos suspiros. ela morre, você enterra e vela. chora em luto enquanto a culpa prefere sufocar a consolar-te.

você pode me dizer o que é pior que a agonia da impossibilidade.

talvez o impossível tenha criado a esperança apenas para aliviar momentaneamente a ânsia de quem nada pode. a chama que não se pode apagar, a doença que não se pode curar, a fome que não dá para saciar, os gemidos que não vão se calar.

aflição.

não se pode estender a mão para o outro enquanto ela está algema à outra. não se pode sequer vigiar com os olhos vendados. não se pode carregar ninguém com um fardo nas costas. não se pode correr para alguém com os tornozelos acorrentados.

você pode me dizer o que é pior que a agonia da impossibilidade, mas não pode abafar os meus gritos desesperados nessa impotência. nem cessar a aflição de ver a pessoa que você menos espera lhe causando tal agonia.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Ontem, três meninos brincavam no parque
- que saudade da infância! -

quem ouvia as gargalhadas invejava
- que liberdade! -

brincavam à meia-noite
- que pais compreensíveis, brincadeira não tem hora -

pés descalços
- por situação (e condição) -

na rua, mexiam com todos
- que alegria! -

e já tinham até consciência,
respeitadores da lei anti-fumo,
tragavam seu cigarro no ambiente aberto.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Tempos de Imperialismo

Hoje, teve início a ofensiva do Verão sobre o Inverno. Em pleno Julho, maior fortaleza dos agasalhos, onde eles transitam despreocupados, certos das baixas temperaturas, mesmo sob um Sol sem nuvens cujas ondas e partículas apenas iluminam, sem aquecer; como dizia, em pleno Julho, o senhor Inverno é atacado. Derretido. Apolo, no início dessa estação, fingia-se fraco e inofensivo (cientistas até desmentiam-se envergonhados a calúnia sobre os raios ultra-violetas). O senhor Inverno chegou no 21 de Junho e se acomodou, como havia acordado a 3ª Conferência do Tempo. Mas eis que o impiedoso Verão, precedido por Apolo e também por sua poderosa arma, o Efeito Estufa, avança sobre o companheiro gelado. Cidadãos assistem atônitos e perplexos a batalha climática, confusos se vão à piscina ou aos cobertores, entre o suco refrescante e o chocolate quente, entre a feijoada e a saladinha. Seus cérebros começam a sentir o calor inesperado e passam a escrever coisas insensatas.

Bauru, 22 de Julho. 47,5° C (na sombra)



..

terça-feira, 21 de julho de 2009

Foi uma vez que eu estava esperando ônibus para ir à faculdade. Esperava há mais de vinte minutos e quando cheguei outro sujeito já estava lá. Vi que ele estava meio inquieto, andava de um lado pro outro e quando um ônibus parava no ponto ele quase se jogava na frente (não necessariamente nessa ordem). Eu pensei que o cara fosse meio louco e fiquei na minha. Até que passou o meu ônibus e ele se jogou na frente. A pancada não foi tão forte, afinal o ônibus vinha desacelerando, mas deu pra machucar um bocado o sujeito. Aí foi aquele auê. A ambulância veio e quando um paramédico perguntou se alguém ali o conhecia, não sei por que eu disse que sim e acabei indo com ele pro hospital. Mais pra alguém levá-lo para casa depois, as escoriações não iriam exigir tamanhos cuidados. Enfim, acabei levando o sujeito pra casa (chamei um táxi...). Ele me confessou o por que daquilo tudo. Ficara sabendo da traição da esposa e queria se matar. E o cara estava perturbadíssimo mesmo, não só por tentar se matar, mas por tentar isso se jogando na frente de um ônibus, num ponto de parada de ônibus. Ele contou que se jogaria na frente de todos, pelo menos um não pararia. E não seria necessário outro. Ele disse que assim colocava a vida nas mãos do destino mesmo, de verdade. E que apenas através de alguma intervenção – por exemplo um passageiro precisando descer no ponto e consequentemente fazendo o ônibus parar – a vida dele continuaria. Se precisasse seguir o fluxo natural, o fluxo natural era o ônibus não parar, a vida dele acabaria. Ele não disse e eu também não quis perguntar, mas quantas vezes será ele pretendia testar o destino? No fim achei até interessante esse pensamento dele. Mas o que eu ia dizer, é que depois do hospital acabamos num bar. Bebemos um monte e depois eu deixei o Almir na casa dele num dos subúrbios daqui. Encontrei-o ainda algumas vezes depois do incidente, conversamos, ele estava melhor e havia perdoado a mulher. Faz um bom tempo que não o vejo.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

anáquiro

sinto que está acabando. faz quanto tempo? comemoramos alguma data há uns dois meses... desculpe, estou tão embriagado enquanto você me encara - também já sabendo que é o fim. não consigo lembrar de nada nesse momento.

você me pergunta o que iremos fazer e com as palavras uma lágrima escorre pelo seu rosto. sinto que devo interromper sua queda com uma mão enquanto a outra ergue suavemente seu rosto pelo queixo para que nossos olhos se encontrem e decidam entre si a resposta para a sua pergunta. com a coragem que falta em nossa fala, encontram um caminho que podemos seguir juntos e fazem um pacto, selado por meus braços que trazem você pra dentro deles e te conforta entre os soluços.

hoje eu sei que tudo acabou quando deixei aquela lágrima escorrer até encontrar o canto de sua boca.

e minhas mãos começaram a me incomodar. já não sabia o que fazer com elas enquanto você aguardava a minha resposta durante aquele instante que pareceu durar por anos. percebo que você não sabe para onde olhar enquanto esperava e começa a olhar para as minhas mãos que guardo nos bolsos de forma nervosa.

o movimento faz você olhar para mim com uma firmeza no rosto, cortado pelo rastro da primeira lágrima, que logo desmorona em mais pranto. de alguma forma você tinha encontrado a resposta em meu rosto.

você me abraça com uma desesperada força que eu não conhecia. eu fico imóvel, com as mãos ainda no bolso, já carregando essa frieza que me acompanha desde então. minha imobilidade acaba quando percebo que você vai se afastar e te seguro ali por mais um momento. com um braço na cintura e outro em seu pescoço. sussurro em seu ouvido novas promessas que não são as respostas que procura. antes de me deixar sozinho ali sentado, o último - e talvez o mais verdadeiro - beijo.

instantes depois, outro par de olhos expulsa lágrimas, que escorregam até encontar as suas em minha camisa borrada por sua maquiagem.

meses passaram e aqui estou novamente pensando em tudo o que aconteceu. preciso tirar essa angústia de mim. percebo que as garrafas vazias de nada valeram. preciso fazer isso de outra forma.

procuro loucamente pelo quarto um caderno.

terça-feira, 30 de junho de 2009

patofagia

procuro loucamente pelo quarto um caderno para escrever algumas palavras. com a caneta na mão, não encontro.

o que acho é esse pedaço de papel, tão fragmentado quanto estão agora as ideias que tinha sobre o que escrever aqui. paro e tento entender se queria passar essas palavras para o papel, tentando me comunicar com alguém, ou se é apenas mais uma vez que escrevo por esse vício crônico de colocar os meus berros no papel e depois guardá-los na gaveta com canetas sem carga e maços amassados.

os pensamentos que não fluem me fazem colocar essa maldita música que me joga na cara tantas verdades. minha mão caminha sozinha para o telefone procurando o número dela na memória. enquanto a ligação chama, ela deve estar dormindo pela demora para atender, sinto o medo do qual fujo ao guardar minhas vontades na gaveta.

e ela atende dizendo o meu nome.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

11.10

quero saber onde está aquele sorriso que você costumava deixar em meu rosto. aquele seu cheiro que grudava em minha camisa. aquela sua existência paralela em meus pensamentos.

quero saber onde foi parar aqueles sonhos que tivemos. aqueles planos que traçamos. aqueles momento que vivemos.

quero saber o que vou fazer sem aquela certeza de te ver numa noite de sexta. quero saber o que fazer sem aquela incerteza do que você acharia do meu novo corte de cabelo. sem aquela auto-cobrança de ser merecedor de dividir os dias contigo.

quero saber onde posso te encontrar. se você está atrás de mim em minhas lembranças. se você está ao meu lado na fotografia do porta-retrato. se você está na minha frente para que eu possa dizer, ao menos mais uma vez, o quanto preciso de você.