terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Aos leitores, com carinho

Eu vi esses dias na TV um programa sobre um desastre aéreo que me fez pensar sobre os desejos de ano novo.
Um avião lotado havia se espatifado em meio à floresta amazônica, matando quase todos que estavam a bordo. Perguntado sobre o ocorrido, um dos sobreviventes explicou que era como se Deus houvesse lhe dado uma nova vida.
Engraçado que nessa época é isso que todos procuram. “Ano novo, vida nova”.
E é por isso mesmo que eu desejo uma tragédia a todos os leitores, metaforicamente é claro. Quer dizer, cada um imagina seu pequeno desastre nos últimos minutos de 2008. Assim talvez entremos no ano novo realmente renovados.
Até porque, como diz um comercial de TV, não adianta fazer lista de boas intenções pra depois esquecer na gaveta, nem imaginar que por decreto em Janeiro tudo vai se realizar. As oportunidades de mudança existem sempre. O que muda são as pessoas e a disposição delas para aproveitar essas chances.
Feliz ano novo e muito obrigado aos leitores, poucos mas fiéis, que nos acompanharam durante o ano todo.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Natal em Família

Depois de muito pensar, decidiu fazer vinagrete. Era mesmo uma pessoa desprezível. Cada um levava um prato para a ceia, e ele decidiu fazer o prato mais fácil e mais sem graça. Coisa de gente desprezível. Mesmo assim, estava hoje uma pessoa melhor.
Pôs a mesa e esperou os convidados. Meia hora mais tarde, chegavam os outros três integrantes do jantar: uma mulher, o marido e a filha.
A filha era ainda pequena, 6 anos. O pai e a mãe, mais velhos, haviam se casado há pouco tempo e já desprezavam o anfitrião. Esse nervosismo de ambos devia-se em grande parte ao fato de a mulher ter sido abandonada pelo antigo marido, em plena gravidez da menina. Antigo marido esse que agora oferecia o jantar de natal.
Era o primeiro natal que aceitavam o convite do anfitrião. E não é nem necessário dizer que a noite transcorreu aos trancos e barrancos. O jantar, muito tenso e desconfortável, como é muito comum nos jantares em família.
Apesar de toda gritaria, e do nervosismo descontado no frango que substituía o peru, o desprezível estava alegre. Seus olhar não desviava da menina que tinha herdado seus olhos.Esquecia agora, do ódio que nutria por tudo que envolvia o natal, ódio das frutas importadas e dos programas melosos na televisão. Quer dizer, continuava odiando esses detalhes, mas pensava em como o natal era uma data única.
Somente naquela época podia oferecer sua companhia. E as pessoas se esforçavam para tolerar tudo aquilo que o tornava tão insuportável. Seria muito ingenuidade o rapaz querer isso para todo o ano. Aquela data era única. Diferente dos jantares de páscoa, do dia da bandeira e de carnaval.

Feliz Natal a todos os leitores!

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

queime depois de ler

Na primeira vez que escutei ou li - não lembro - o nome do filme, pensei na hora no desenho do Inspetor Bugiganga que assistia quando pequeno. Quem assistia deve lembrar que as mensagens do 'chefe' ao inspetor eram queimadas ou destruídas de outra forma.

Ao assitir o filme percebi que os irmãos Coen são tão versáteis quanto o personagem do desenho animado. Dos Coen, assiti apenas aos premiados Fargo e Onde os fracos não têm vez antes de Queime depois de ler - que também deve ganhar alguns prêmios por aí - e já gostava deles pelos dois primeiros filmes, mas o último consegue uma transformação, de um início morno com pessoas saindo do cinema até um final maravilhoso com pessoas reclamando do filme.


*aqui uma pausa para falar sobre essas pessoas*

Antes de ir ao cinema, uma amiga que almoçou em minha casa disse que tinha visto o filme, gostado bastante, mas escutou as outras pessoas do cinema falando muito mal. Quando fui ver não deu outra, em minha fileira, eu, meu amigo, e uma senhora ríamos enquanto as pessoas atrás batiam um papo como se estivessem em um clube. É estranha essa disparidade de reação do público.

*fim da pausa, na verdade desabafo ou algo do tipo*


Enfim, quem for ao cinema verá atuações muito boa de John Malkovich, George Clooney, Brad Pitt - que atualmente é o cara que melhor escolhe roteiros para trabalhar - e até Frances McDormand, a insuportável mulher que fazia aquela funcionária de banco em Família Buscapé. Vá assistir e se não gostar, reclame depois de ver.


x-x-x-x


O víciocrônico andou meio parado devido ao fim de semestre da faculdade e os blogueiros estão cobrando uns aos outros para voltarmos a escrever com frequência, e iremos.Eu estou em recesso e volto com tudo no dia 5 de janeiro.Desejo já, para você, um feliz natal e um excelente 2009.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Aniversariantes da semana

Nas últimas semanas comemorou-se diversos aniversários. Os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O 20° aniversário do assassinato de Chico Mendes. Os 40 do AI – 5. O do meu primo e de amigos meus.

O interessante é que tais aniversários tão importantes foram comemorados em meio a curiosos acontecimentos. Um jornalista iraquiano atirou as próprias botas em Bush, imediatamente foi preso e estranhamente espancado na prisão, estranhamente porque não são numerosos os dispostos a comprar uma briga pelo presidente americano (índice de reprovação recorde – 80%), já a vender, é outra história.

Mas, de acordo com o sexagenário do ano, Todo o homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras.(Artigo 19) Logo, a prisão do jornalista violou claramente tal Declaração.

A morte de Chico Mendes vinte anos atrás também é relembrada hoje numa atmosfera irônica. A devastação da floresta amazônica continua cinicamente. A reserva indígena Raposa-Serra do Sol ameaçada. Aliás, Artigo 17: I) Todo o homem tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. II) Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade. Meio ambíguo, visto que em alguns casos garantir a propriedade para o todo significa privar dela toda uma parte. Já o segundo item no que toca a reserva indígena...

A cereja (vermelha, de sangue) vem para enfeitar os bolos. O AI – 5 representou a mais violenta agressão aos DH no Brasil. Não bastasse alguns defenderem que a Lei de Anistia concedida após a Ditadura já tenha deferido perdão aos torturadores, é tragicômico, hoje, ver vários meios de comunicação a relembrar o Ato com olhos reprovadores quando na época vestiam as fardas.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Constrangidos

Era começo de ano quando ela, no final de uma festa, caiu embriagada no sofá. Lá estava um oportunista que pôs fim à longa fidelidade que a menina tinha por seu namorado. Como a festa era dada por um amigo em comum, não demorou para que o traído fosse avisado sobre o ocorrido.
Durante o ano inteiro existiu, então, um clima tenso quando os dois se cruzavam nos corredores. O ambiente ficou pesado para ambos. Como em uma guerra, os dois lados possuíam grupos aliados e grupos inimigos.
Logicamente, do ponto de vista masculino, o namorado saiu com a reputação mais arranhada. Sempre havia os maldosos, que, com um ou outro apelido, estavam prontos a lembrá-lo de que havia sido traído publicamente. E aquilo era uma tortura de fácil aplicação, bastava conhecer a história daquela noite. Sendo assim, os comentários constrangedores perseguiram o rapaz por muitos e muitos meses.
Os ex-namorados se falaram, enfim, na festa de formatura. Ela, direto ao assunto, explicou o que tinha acontecido. Ele foi determinado:
-Você vai precisar implorar de joelhos.
E, sem maiores problemas, a festa correu.
Quando a música já invadia o amanhecer, a menina subiu ao palco e pediu o microfone. A festa, paralisada, observou o choro e os suplícios da garota.
Ao final do discurso, ela andou devagar em direção ao rapaz, que bebia do outro lado do salão. Como se quisesse que a festa inteira observasse o reencontro, abraçou lentamente o antigo namorado. Ele beijou-a no rosto, no pescoço e no lóbulo do ouvido. Então disse:
-Agora some daqui.

sábado, 13 de dezembro de 2008

(sem título)

Boa tarde! na verdade: boa tarde.; tinha o costume de cumprimentar as pessoas na rua, não que saísse por aí distribuindo saudações, mas pelo menos olhava nos olhos das outras pessoas e dava um sorriso. O boa tarde., quando saía, era sem exclamação mesmo. Achava que o Boa tarde! soava meio falso, principalmente, quando dirigido a pessoas desconhecidas. Também porque alegria exagerada incomodava um pouco, a si mesmo, e achava que podia incomodar aos outros. Não porque os outros fossem uns invejosos, mas pessoas demasiadamente alegres lhe pareciam meio patéticas, hipócritas...Alguma coisa como Aquele que ri apenas não recebeu ainda a terrível notícia. No fundo, sabia que entre o yin yang das dicotomias que se equilibram no mundo, numa transformação heraclitiana, a tinta preta da tristeza acabava vazando um pouco sobre o branco da felicidade.
(Por que atribuir o negro à tristeza não sabia, quer dizer, imaginava. Velório e outras coisas...Quando não sabia ao certo os motivos atribuía à cultura ou idiossincrasias. Mas o negro combina mais com a tristeza mesmo, ou não?)
(esse ou não foi apenas para eximir-se da responsabilidade conferida pela afirmação o negro combina mais com a tristeza mesmo)

Continuou seu caminho até a padaria.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Enfermos

- Desculpe pelos gritos.
Foi assim que começou. Não o melhor começo, mas, enfim, foi esse aí.
Ela na cama do lado fez uma piada, alguma coisa sobre os homens serem intolerantes a dor. Eles riram, tossiram, riram e voltaram a tossir – é assim que os doentes gargalham.
Ficou estabelecido logo de cara que não falariam de suas doenças. Quer dizer, um não iria saber do que o outro sofria. E também, existem conversas mais agradáveis e mais românticas do que essa.
Outra coisa, também virou regra que não se veriam por detrás do pano. Era tudo muito platônico. E aquele pano separando os leitos servia para que um não visse as máquinas que mantinham o outro vivo, no caso de elas existirem, é claro.
O caso é que não houve no mundo namoro mais certo. Era tudo muito bonito. Aqueles braços pálidos se alisando eram motivo de conversa no hospital todo. Quantas enfermeiras não ligaram para seus namorados cobrando mais amor. E quantas não desejaram estarem também doentes.
Era tudo também um pouco triste. Enquanto um fazia seus exames, o outro tentava distraí-lo da dor. Quando a situação fazia-se mais séria, o outro não agüentava e botava o volume da TV no máximo.
Acontece que era assim mesmo. O “um” estava sempre mal, e o “outro” permanecia estável. Até que um dia o médico disse aos berros:
- Não dá mais para adiar. Você precisa dessa cirurgia pra já!
Por uma noite e um dia eles conversaram. Foi confessado que o caso de um era gravíssimo, terminal . Já o outro, não. Para ela, alguns antibióticos lhe bastariam.
Na noite seguinte, véspera de sua cirurgia, ele se desgarrou de seus aparelhos e deitou-se no leito ao lado.