segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Temos vagas

Dia quente. Depois do almoço bate aquele soninho e o cochilo no sofá se torna inevitável. As vozes dos atores vão se embaralhando com as vezes em sua cabeça e de repente o nada que é interrompido com a campainha que berra com histeria.
O olho mágico que nada ajuda mostra a silhueta de três pessoas em frente à minha porta.
Giro a maçaneta.
_ Pois não?
Eram dois senhores e um jovem e diziam ter visto o anúncio dos cômodos que estavam para alugar em meu apê. Os tempos estão difíceis, amigo. Preciso dividir um pouco as despesas.
Os dois senhores estavam interessados em dividir o passado que estava vago. Era um passado espaçoso, arejado, mas não muito iluminado. Toparam os valores e foi assim que o sr. Remorso e o sr. Angústia vieram morar comigo.
O jovem perguntou se ainda teria um lugar para ele. Expliquei que meu futuro, local onde cuidava de meus negócios, estava ocupado pelo cara que cuida desses meus negócios atualmente. É um sujeito estranho chamado Destino. Tem um senso de humor peculiar, nunca entendo as piadas que ele faz.
Falei também que estava apertado financeiramente, mas não queria dividir meu presente, disse que poderia dormir no sofá até conseguir um lugar. Ali não teria lugar para ele.
_ Como você chama mesmo, meu jovem?
_ Esperança, senhor.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Viúva-Negra

“Triste que só ela”, é o que todos diziam. Ainda pequena tinha umas olheiras nefastas, como alguém que já passou por demasiadas tristezas na vida.
Vivia na fossa, muito embora nunca tivesse namorado. Encerrava-se em seu quarto como uma solitária obstinada.
Sendo assim, Maomé foi à montanha. Carlos era o nome dele. Vizinho também tímido, mas insistente.
Daí pra frente, a história é conhecida (e entediante) – primeiro encontro, namoro, noivado... O interessante é que veio a seguir.
No dia do casamento, faziam-se prontos todos os detalhes exigidos pela moça: a banda, o guardanapo, as flores. O bolo de casamento, então, parecia um World Trade Center que hora ou outra haveria de cair.
Chega a moça, horas antes da celebração, aos prantos e vestida de luto. Comunica ao noivo que não haveria mais casamento. Precisava de seu espaço. Ou, para alguns, precisava voltar para sua antiga infelicidade.
Os convidados chegavam e logo partiam, com um largo pedaço de bolo na mão.

Achados e Perdidos

Branco. Branco por todos os lados. Era só isso que ele via no hospital, um frio e patético branco. Como se aquela cor fosse capaz de trazer paz às angustias dos doentes e de suas famílias.
Na verdade, ele estava agora mais do que nunca desconsertado. Andava pelo hospital como se fosse um sonâmbulo perdido. O primo de segundo grau morrera às 10h. O sol já começava a se pôr, e o sonâmbulo ainda não entendia se estava na sala de cirurgia ou no elevador.
Não que o falecido fosse seu ente mais querido, mas o médico prometera que a cirurgia era rotineira. Desse modo, a morte surpreendeu a todos.
Fazia o chaveiro bambolear no seu dedo indicador. Era uma mania que tinha desde criança. Com a brincadeira, se perdia cada vez mais no labirinto do hospital.
Encontrou em uma das salas uma senhorinha pálida. Com um ar solitário e de intensa dor. Uma dor muda e sem esperança. Estava na UTI. Começava a entender. Entendeu quando viu o médico cabisbaixo olhar sua paciente.
Não havia ninguém em volta da doente. Nenhuma flor. Sobre a mesinha, nenhuma carta desejando melhoras.
Sentou-se na cadeira destinada aos acompanhantes. Deu um tapinha na mão da enferma e disse:
- Coragem!

Salão de Beleza

Aos 7 anos, parecia simplesmente que seus assuntos de criança não interessavam em nada à atribulada mãe. Com o pai no trabalho, sentia um vazio de carinho.
Quando um dia a mãe a convidou para passear, tudo mudou.Foram ao salão de beleza. Aquele ambiente parecia trazer às mulheres presentes uma sensação de liberdade para desabafar. Uma liberdade reforçada pelas horas e horas que demoravam os tratamentos capilares.
Foi uma grande surpresa. Nunca ouvira sua mãe falar tanto e tão alto. Um verdadeiro muro de lamentações.
Como uma jornalista investigativa, a menina passou a seguir a mãe nesses encontros. Observava entre os interesses da mãe, aquele que rendia maior tempo de conversa. Como sempre, “nos falta dinheiro”. “Precisamos de dinheiro”.
Daquela primeira visita, passaram-se anos. A diferença da menina era sensível. Ela era agora um pedaço da mãe. Um papagaio de pirata, pronta a repetir as palavras que a genitora proferisse. Sua relação com o pai mudara de maneira proporcionalmente inversa. Sentia um certo asco daquele homem, desde sempre incapaz de sustentar uma família classe média.
Já moça, a menina soube dos lábios do pai a notícia esperada: havia sido promovido, tudo iria mudar pra melhor. Antes de abraçar o pai, foi ao encontro da amiga de confidências, que estava no salão.
Ouviu espantada o descontentamento da mãe. Dizia ela que, na verdade, nunca haviam sido de fato pobres. A mãe ainda acrescentava:
- Ele que não me venha agora se atracar com uma interesseira.