terça-feira, 28 de outubro de 2008

Sobre a tal Bienal

A Bienal desse ano desceu junto com o escorregador que instalaram para os visitantes.

Em meio a brigas internas e externas, o evento que começou no último domingo (26), ficou abaixo do nível mostrado nas suas últimas realizações e o que acabou chamando a atenção do público foi o segundo andar que era ocupado apenas por visitantes que passavam por ali - e por uma criança que se divertia com tanto espaço para correr.

Chamou a atenção, não apenas pelo caráter político daquele vazio ou pela ousadia de tal manifestação, mas porque o nada expôs a arquitetura do pavilhão. Aqueles altos pilares alinhados e imponentes em um salão de igual grandeza, nos mostram uma versão paulistana e moderna da acrópole grega.

Apesar de não ter mantido o nível das últimas realizações, não se pode dizer que a mostra esteja fraca. Vale a pena conferir muitas obras ali expostas, como a "Reação em cadeia com efeito variável", da Carla Zaccagnini, onde crianças fazem uma fonte funcionar ao brincar na instalação.

A produção audiovisual também merece destaque por ter sido explorada de forma ora inovadora, ora conservadora porém inspirada. Uma pena foi o calor daquela tarde de domingo que impedia o público de ficar mais de cinco minutos nas salas escuras e abafadas das apresentações.

Uma curiosidade foi a presença de um chaveiro no piso térreo. Ele copiava, para um artista plástico, a chave dos visitantes que em troca recebiam a chave da porta Bienal - pelo menos foi o que o chaveiro estava dizendo para as pessoas.

Em alguns momentos, o elevado número de móveis também não agrada a todos.

Quem tiver a oportunidade de ir, deve ficar atento à programação do evento: haverá realização de alguns shows e palestras interessantes.

E além de tudo, a beleza plástica das visitantes argentinas que vieram conferir a exposição também agradou quem passava por ali no domingo.

sábado, 25 de outubro de 2008

Esperando Doutor II

por Gustavo Stevanato

As paredes pintadas de branco e verde água dão um tom relaxante, nos primeiros cinco minutos enquanto você ainda está cruzando a porta de vidro em direção à secretária com as palavras cruzadas. Num segundo momento, cinco minutos e meio – porque sou paciente – aquelas cores que enfeitam o imaginário e aspiram o ar doentio de todos professores de yoga e outros relaxantes musculares, como dorflex – a mulher sentada a direita está com gripe, espero que espanhola, asiática ou tifo ou qualquer outra de eficácia garantida – se completam num carrosel insuportável que me atordoa, sinto-me saciado em meu sarcasmo , no sentido cruel como na raposa e as uvas verdes, e enjoado da água com cloro destas clinicas. Preciso de um eno. E um dramin.

Preciso ainda mais de atenção agora. Não posso ficar com estas pessoas. São doentes. E insuportáveis catalisadores de minhas tensões. Não suporto mais ver quanto não vale mais a pena ver tevê as 3 da tarde. Hora triste. Acho que em alguns países os enterros são nesse horário, talvez, não pela tristeza, mas pela disponibilidade dos acompanhantes do morto ou ócio coletivo. Completar o silêncio com doses crônicas de melancolia teatraliza o tédio e faz o relógio correr mais rápido, inclusive para o engravatado do esquife. Pois bem. Faz-se de acordo e tratado que o silêncio é o inibidor do aviltamento coletivo. Então por que a insistência hipocondriaca e tuberculosa de espalhar chagas ao bater dos dentes? A sala de espera do oncologista deve ser o paraíso das clinicas. Ninguém é solidário no câncer. Preferem o pesar absoluto e inconsciente das maldades do falar. Acredito que antes da espera existia a lepra. E por isso a paciência. O que é uma chaga a mais a Lazáro ? Acredito que o respeito está no silêncio. E no constrangimento.

Posso esperar a tarde inteira. Não tenho pressa. Ainda espero pelos ônibus que nunca passam, as namoradas que se atrasam e pelos filmes que nunca terminaram de passar. Mas o que me faz redecorar as paredes soft com sangue, furar os olhos da secretária com a caneta das cruzadas, espancar o médico com o estetoscópio e sentar aliviado no meu lugar são os pensamentos que me correm à mente. Não suporto as epifanias e seus momentos embriagantes. E mais que tudo: os suicidas que pacientemente parecem gritar silenciosamente por socorro.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Esperando Doutor I

por Gustavo Stevanato

“Oh! silêncio das salas de espera
Onde esse pobres guarda-chuvas lentamente escorrem...
O silêncio das salas de espera
E aquela última estrela...
Aquela última estrela
E, na parede, esses quadrados lívidos,
De onde fugiram os retratos...
De onde fugiram todos os retratos...
E esta minha ternura,
Meu Deus,
Oh! toda esta minha ternura inútil, desaproveitada!...”

Mário Quintana

Salas de espera são confortavelmente irritantes. Não me considero impaciente. Ainda espero pelos ônibus que nunca passam, as namoradas que se atrasam e pelos filmes que nunca terminaram de passar. A velocidade é um prazer de cretinos. Eu poderia esperar qualquer outono sabendo que teria a primavera. Mas o que me faz regular o assento, procurar por uma posição comôda enquanto anseio por um cigarro – um trago e já estaria longe dali – são os pensamentos que me correm à mente. Não suporto as epifanias e seus momentos embriagantes. E mais que tudo: as pessoas que pacientemente parecem gritar silenciosamente por socorro.


Poderia ter acordado um tanto totalitário. Encontrar desprazer num pé à frente do outro ou na xicara de café que insiste em esfriar. Os passarinhos que irritantemente vêm a minha cozinha anunciar o nascer de um novo dia, quando queria apenas que ele já tivesse se posto. Não ligaria se quando voltasse do consultório – a secretária esboça uma reação de um chamado, mas não, é apenas um bocejo – e encontrasse eles mortos velando-se em girassol e alpiste se nenhum pio. Mas o que incomoda não é esperar. Tenho paciência em contar o número de pacientes a minha frente – um senhora redonda de sorriso largo e varizes aos prantos com a saia que não alcança os joelhos e tipos que desconheço por opção – e ler revistas politicamente esdrúxulas ou contratos médicos indecifráveis, como se tivesse alguém neste meio de raquiticos um médico em potencial ou estudante de medicina tardio.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Partículas Cristalizadas

O ar possui mais propriedades químicas do que a química desconfia. Os olhos sugerem um grande vazio inócuo, coisa que até hoje nós não aceitamos. Como é possível o ar ser tão leve e, em alguns casos, tão pesado?
A resposta, como diria Dylan, está voando no ar.
Enfim, hoje esse mesmo ar estava cinza. E ao cinza aderiam milhões de gotas, caindo em polvorosa. À luz dos faróis, esquivando-se das gotas, as partículas do ar tornavam-se bem visíveis.
Essas partículas, ao pouco, se uniram e se cristalizaram. E com elas, cristalizou-se tudo – pelo menos tudo que eu podia ver. Meu campo de visão tornou-se um cubo de gelo.
Com o cubo entre os dedos, um passante distraído poderia facilmente identificar algumas tonalidades de cinza. Poderia botá-lo em sua xícara de café. E, liquefeito, meu cubo de gelo não faria o menor sentido.
Cabia a mim aproveitar meu instante, eu não estava cristalizado e podia voar por entre o sólido – na verdade nós mesmos somos um elemento químico muito estranho. Basta olhar.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Sobre o fato de morar em um lugar quente (pra burro)

Desculpem-me, raros mas assíduos leitores. O calor não me deixa pensar no que escrever aqui. Então vou descrever exatamente oque sinto - sei que fiz algo parecido durante uma crise de criatividade.
Cansaço.
Fadiga.
Preguiça.
Caimbrã.
E vontade de uma cerveja após o próximo ponto final.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

O inferno são os outros

por Gustavo Stevanato

Eu acho que não gosto muito das pessoas. Nada contra elas. Ou tudo contra, na verdade. As pessoas são chatas demais. Precisam de favores, dependência, plantões, noites mal-dormidas e companhia nos dias de menor inspiração. Parece-me que fora de relacionamentos, ainda sustento vários. E o pior compromisso é saber que elas se importam com você – e não dormem com você.

Não que pense que morrer sozinho seja uma boa idéia – e também não quer dizer que a descartei – mas é que as pessoas se realmente acreditam que me importo. De verdade? Não. Os ombros molhados, as contas quilométricas do café e os porres nas festinhas não vão me fazer gostar mais de você. Eu não desprezo as outras pessoas, se outrora pensasse em alguma delas, decerto desprezaria. Mas agora não.

Não estou pegando pesado, a critério, bem leve – quando a rigor não queria nem tocá-las. Talvez o lapso de adoração que tenho pelas pessoas é saber que elas são fáceis de abandonar. Indiferentemente. Nós perdemos pessoas todos os dias, e quiçá, por todos os minutos. Sem nenhum remorso. E é isto que as faz por minutos suportáveis interessantes. Saber que elas irão embora.

E quando elas não vão, eu vou. De caso pensado. Sem desculpas de ir ao toalete ou promessas que voltarei depois ou que vou ligar no dia seguinte. Viro as costas e desapareço nos frangalhos da comunicação e do que mais ficou a frente dos meus pés. Não fico mais suspenso em expectativas. Elas não significam nada para mim. Um último toque e irei embora, e vamos fingir que significou algo muito maior - quando na verdade foi menos do que insuficiente.

Nós mentimos, ou pelo menos eu o faço sem pesar algum. Quando respiramos fundo demais, quando jogamos o olhar para as banalidades dos instantes ou bebemos copiosamente um copo vazio e sempre, sempre quando hesitamos e engolimos o caráter e alguma dignidade a seco. Mas nunca quando ruborizamos. E parece-me a vergonha o sentimento único do mundo em verdade. Não que de fato, acredite que a verdade é de longe a solução de todos os problemas. Na verdade, é a causa mortis deles. Desde as verdades dita em horas impróprias sob a graça de uma gafe a mais cristalina e transparente das verdades que acompanham as formalidades e os casais em seus escândalos, copos quebrados e alianças tomando vôo pelas janelas.

E decerto, é inevitável que todas as pessoas mintam. Assim como evitar o mau-humor no café-da-manhã ou o câncer batendo em sua porta. O que diferencia as pessoas uma das outras é um motivo – e quando não único, a situação fica cada vez mais interessante.

E não deixamos de amá-las ou odiá-las por isso. Ao contrário. Devolvemos fascinação aos canalhas e vangloriamos os bandidos. Mas ainda me parece o ódio muito mais divertido. E rende ótimas e fugazes conversas, porque falar mal das outras pessoas pode parecer sempre errado, mas nunca um engano.


(Sebastião Lisboa está de férias)

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Espelhos

Aê garotão, olha você aí. Firme e forte. Com remela no olho, rosto amassado e cabelo arrepiado, mas firme e forte. Até que pra alguém na sua situação você não está nada mal.
Podia estar melhor? Podia. Uma outra coisinha melhorada? Sim. Sem essa espinha na cara? Com certeza!
Parece que só em dia de festa essas coisas aparecem no seu rosto. Se bem que se isso não acontecesse, não seria você. Com você essas coisas sempre acontecem.
Que hora pra ficar pensando nisso, hein?! Pra ficar pensando em qualquer coisa, aliás. Todo esse tempo de pensamento poderia ser facilmente trocado por mais 5 minutos de sono.
Lave esse rosto, e que fique limpo! Inclusive a espinha, que ela não esteja mais aí quando você secar o rosto com a toalha! (Pare de gritar com você mesmo, não faz bem pro seu ego!)
Agora, sem brincadeira, isso é muito cedo. Isso não é vida. As pessoas devem te ver todo dia assim: com remelas, rosto e cabelo molhados. Parecendo um pinto molhado.
É.... é melhor você dar valor a quem fala com você, mesmo com você assim, todo maltrapilho. Se bem que cedo assim, ninguém tá muito melhor que isso. Você até que não está nada mal. Quem é o cara? Você é o cara!

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Palavras que abalam a água

Um mês de namoro recém completados. O luar, os dois de mãos dadas, e a declaração:
- Eu te amo.
Nos segundos seguintes o rosto da moça mostrava um sorriso. Sorriso amarelo, porque ela estava tensa. Isto é, queria ouvir um “eu te amo” de volta.
- Eu também gosto muito de você.
Ambos sorriram. Sorriso amarelo, pelo menos o da moça. O rapaz era novato naquilo tudo e não percebia a burrada que tinha acabado de fazer.
Pra quem não sabe, ele tinha sim feito uma burrada. Não a pior de todas, mas uma burrada. Tanto foi, que meses de namoro depois ela comentou . Ele se desculpou, ela disse que tudo bem, eles riram. Até porque, depois do ocorrido ele retribuíra várias vezes a declaração da moça.
Na verdade, era difícil alguma coisa atrapalhar aquele casal. Eram daquele tipo bonitinho, sempre sorrindo. Daquele que adoça qualquer café, um verdadeiro melaço. Namoraram, noivaram e casaram. Tudo muito rápido. Tudo sem problemas.
A única coisa que amargava a relação, uma vez ou outra, era o ciúme da moça. Daí era aquele quebra-pau:
- Eu sei que você olhou pra essa, pensou naquela, piscou pra aquela outra, etc.
Acontece que a moça era de uma família rica. Por isso era muito frágil e mimada. Mais do que isso, era insegura. Tinha surtos de depressão que vinham do nada e iam pra lugar nenhum. Por mais bela e simpática que fosse, às vezes era difícil convencê-la disso.
Alguns anos de casamento, e o que era ocasional virou comum. Quebradeira todo dia na casa dos ex-pombinhos bonitinhos. A criancinha só ouvindo os berros histéricos da mãe:
- Eu vou me matar. Não agüento mais você.
E o pai:
- Mas, querida, por quê? Eu te amo!
Falava-se de prédios altos, veneno de rato, revólver. Eram tantas as ameaças, que ninguém mais dava atenção. Até que um dia deu-se o drama. A moça se suicidou, não importa como. Deixou um bilhete com os dizeres “você nunca me amou!”.
As palavras não são só palavras. São demônios do passado, que voltam à vida para fazer tempestade em um copo d’água.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

entrego-me à pieguice

quero saber onde está aquele sorriso que você costumava colocar no meu rosto. aquele seu cheiro que grudava em minha camisa. aquela sua vida paralela em meus pensamentos.

quero saber onde foi parar aqueles sonhos que tivemos. aqueles planos que nós traçamos. aqueles momentos que vivemos.

quero saber o que vou fazer sem aquela certeza de ter ver numa noite de sexta. sem aquela incerteza sobre o que você acharia do meu novo corte de cabelo. sem aquela auto-cobrança de ser merecedor de ter você em minha vida.

quero saber onde posso te encontrar. se você está atrás de mim, me perseguindo com nossas lembranças. se você está ao meu lado na fotografia do porta-retrato. se você está na minha frente para que eu possa dizer, ao menos mais uma vez, o quanto preciso de você.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Disse sim a mim

Me peço em casamento e aceito sem pensar duas vezes.
Não me conheço muito bem, mas estamos juntos desde sempre. Difícil alguém estar mais acostumado com todas as suas manias que carrego. Conheço muito bem essas minhas cicatrizes que estampam seu corpo.
Um amigo me disse que, atualmente, o casamento nada mais é do que um casal procurando estabilidade: a mulher procura estabilidade financeira, o homem procura estabilidade sexual. Essa afirmação me parece um resquício da sociedade machista de outrora, eu não quero acreditar que ela seja verdadeira. Mas também quero acreditar que um amor verdadeiro ainda exista e que este não se abale com os obstáculos encontrados no cotidiano. Ainda não tenho certeza do que é real ou não.
Meu casamento não tem data marcada, não terá festa. Somente eu estarei comigo nesse dia. Tomaremos um espumante barato e desistiremos da vida amorosa com outras pessoas em prol de um futuro que construiremos juntos. Somente eu e eu.