sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Palavras que abalam a água

Um mês de namoro recém completados. O luar, os dois de mãos dadas, e a declaração:
- Eu te amo.
Nos segundos seguintes o rosto da moça mostrava um sorriso. Sorriso amarelo, porque ela estava tensa. Isto é, queria ouvir um “eu te amo” de volta.
- Eu também gosto muito de você.
Ambos sorriram. Sorriso amarelo, pelo menos o da moça. O rapaz era novato naquilo tudo e não percebia a burrada que tinha acabado de fazer.
Pra quem não sabe, ele tinha sim feito uma burrada. Não a pior de todas, mas uma burrada. Tanto foi, que meses de namoro depois ela comentou . Ele se desculpou, ela disse que tudo bem, eles riram. Até porque, depois do ocorrido ele retribuíra várias vezes a declaração da moça.
Na verdade, era difícil alguma coisa atrapalhar aquele casal. Eram daquele tipo bonitinho, sempre sorrindo. Daquele que adoça qualquer café, um verdadeiro melaço. Namoraram, noivaram e casaram. Tudo muito rápido. Tudo sem problemas.
A única coisa que amargava a relação, uma vez ou outra, era o ciúme da moça. Daí era aquele quebra-pau:
- Eu sei que você olhou pra essa, pensou naquela, piscou pra aquela outra, etc.
Acontece que a moça era de uma família rica. Por isso era muito frágil e mimada. Mais do que isso, era insegura. Tinha surtos de depressão que vinham do nada e iam pra lugar nenhum. Por mais bela e simpática que fosse, às vezes era difícil convencê-la disso.
Alguns anos de casamento, e o que era ocasional virou comum. Quebradeira todo dia na casa dos ex-pombinhos bonitinhos. A criancinha só ouvindo os berros histéricos da mãe:
- Eu vou me matar. Não agüento mais você.
E o pai:
- Mas, querida, por quê? Eu te amo!
Falava-se de prédios altos, veneno de rato, revólver. Eram tantas as ameaças, que ninguém mais dava atenção. Até que um dia deu-se o drama. A moça se suicidou, não importa como. Deixou um bilhete com os dizeres “você nunca me amou!”.
As palavras não são só palavras. São demônios do passado, que voltam à vida para fazer tempestade em um copo d’água.