sábado, 25 de outubro de 2008

Esperando Doutor II

por Gustavo Stevanato

As paredes pintadas de branco e verde água dão um tom relaxante, nos primeiros cinco minutos enquanto você ainda está cruzando a porta de vidro em direção à secretária com as palavras cruzadas. Num segundo momento, cinco minutos e meio – porque sou paciente – aquelas cores que enfeitam o imaginário e aspiram o ar doentio de todos professores de yoga e outros relaxantes musculares, como dorflex – a mulher sentada a direita está com gripe, espero que espanhola, asiática ou tifo ou qualquer outra de eficácia garantida – se completam num carrosel insuportável que me atordoa, sinto-me saciado em meu sarcasmo , no sentido cruel como na raposa e as uvas verdes, e enjoado da água com cloro destas clinicas. Preciso de um eno. E um dramin.

Preciso ainda mais de atenção agora. Não posso ficar com estas pessoas. São doentes. E insuportáveis catalisadores de minhas tensões. Não suporto mais ver quanto não vale mais a pena ver tevê as 3 da tarde. Hora triste. Acho que em alguns países os enterros são nesse horário, talvez, não pela tristeza, mas pela disponibilidade dos acompanhantes do morto ou ócio coletivo. Completar o silêncio com doses crônicas de melancolia teatraliza o tédio e faz o relógio correr mais rápido, inclusive para o engravatado do esquife. Pois bem. Faz-se de acordo e tratado que o silêncio é o inibidor do aviltamento coletivo. Então por que a insistência hipocondriaca e tuberculosa de espalhar chagas ao bater dos dentes? A sala de espera do oncologista deve ser o paraíso das clinicas. Ninguém é solidário no câncer. Preferem o pesar absoluto e inconsciente das maldades do falar. Acredito que antes da espera existia a lepra. E por isso a paciência. O que é uma chaga a mais a Lazáro ? Acredito que o respeito está no silêncio. E no constrangimento.

Posso esperar a tarde inteira. Não tenho pressa. Ainda espero pelos ônibus que nunca passam, as namoradas que se atrasam e pelos filmes que nunca terminaram de passar. Mas o que me faz redecorar as paredes soft com sangue, furar os olhos da secretária com a caneta das cruzadas, espancar o médico com o estetoscópio e sentar aliviado no meu lugar são os pensamentos que me correm à mente. Não suporto as epifanias e seus momentos embriagantes. E mais que tudo: os suicidas que pacientemente parecem gritar silenciosamente por socorro.

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