quarta-feira, 27 de maio de 2009

Vocação

Que inveja eu tenho do florista. Sujar as mãos - e até as unhas - de terra, não me importariam. Terra sai fácil, com água corrente mesmo. A tinta mancha. Agarra-se à pele. É um quê fazer pra tirar. E as flores você não precisa explicar pra vender. Descrever-lhes as qualidades: esse é um autêntico lírio, da família das Liliáceas, encantando as pessoas desde Confucio; e bendito desde Cristo, nas palavras de São Matheus "Olhai os lírios do campo; eles não trabalham nem tecem; no entanto eu vos digo: mesmo Salomão, em toda sua glória, não se vestiu como um deles". Quem não quisesse comprar, estúpido que fosse. Ah e eu não teria que ficar lendo poesias pra agüentar o expediente. Talvez apenas O guardador de rebanhos, mas só para lembrar delas e largar o livro. E eu leria no livro e não no computador, assim quando eu fosse deitá-lo ao lado, realmente eu o deitasse ao lado. Não clicar num X que faz desaparecer o que vejo na tela (por que o X será hein?). Os outros itens até que lembram o que causam, digo a janela ficar maior ou menor: tem duas janelinhas, se bem que do mesmo tamanho...Bom, mas não serei ingrato ao computador já que me sirvo dele, agora. Além do que, numa floricultura, eu não me perderia nessas divagações estúpidas que tanto me comprazem a inteligência. Eu não precisaria me sentir inteligente. Ficaria lá, escravo dos sentidos.

domingo, 24 de maio de 2009

Na saída do restaurante, uma mulher quase deitada pede esmolas. “Não tenho dinheiro, eu marco nesse restaurante...” As esmolas atrasam a revolução. Falsa caridade. Vaidade. É fácil jogar uma moeda e se sentir bondoso, filho de Deus, companheiro do sofredor. Anestesia social. Mas repetir isso pra mim mesmo não me deixa melhor. Pra falar a verdade, me sinto mais mesquinho ainda. Porra, uma moeda.

Alguma quadras abaixo, na entrada de um estacionamento, uma mulher observa triste um cone obstaculizando o portão: está lotado. Minha compaixão é muito grande, não distingue classe ou cor. Dirige-se dessa vez à mulher do carro. Sinto vontade de tirar o cone “Entre!, esqueceram de um lugar ali...” Mas ia ser pior. Medida paliativa. Pioram as coisas, depois. Imagino-a manobrando puta o carro e me xingando.

Medito sobre o ocorrido. Parábola marxista. Talvez minha moeda equivaleria a ação de tirar o cone do caminho. Mais pra frente as duas iam se fuder. O que fazer então? Nada? Me acusariam de conformista...”Todo o mal do mundo vem de nos importarmos uns com os outros,//quer para fazer bem, quer para fazer mal.” Alberto Caeiro. Ah quantos argumentos para ser mesquinho.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

indo

tive a chance de te falar o que sinto enquanto olhava em meus olhos. fechei os olhos e a boca, mas vivo cada segundo pensando em como fui estúpido ao fugir do que mais queria. na minha fuga levei tudo o que achava precioso, mas acabei deixando a minha esperança para trás. sem ter esperança de te ter novamente ao meu lado, vou levando uma vida errante. a cada erro me pergunto o que seria de minha vida se ainda estivesse contigo. todas as respostas que encontro são as lembranças confusas de você. lembrar dói, e faço de novos erros o meu analgésico corriqueiro.

a distância não é maior que os meus remorsos.