sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Sabor pela angústia

Saiu de casa agasalhado para o frio da madrugada, com a seriedade de quem vai a um enterro. Recostou-se na porta da frente e acendeu um cigarro.
Era muito bem letrado, por isso mesmo pensava agora em vários nomes pra si mesmo: vil, desprezível, inconseqüente, irresponsável. Pensava isso apenas para impressionar a si mesmo, numa tentativa patética de dissuadir-se daquilo que já havia decidido.
(Um cidadão exemplar, que pagava seus impostos com uma exatidão admirável. Nenhum desleixo com a mulher ou com o menino pequeno. Correto até o último fio de cabelo. No mais, experimentava às vezes um escape através culpa - deixava o gás ligado, prevendo a casa e os móveis em chamas. Ciente do que fazia, derrubava a porcelana chinesa ou se atrasava para o jantar. Enfim, um paciente em potencial para o Dr. Freud).
Cigarro terminado, ele reergueu a mochila que levava consigo. Olhou pra trás na busca de um escrúpulo. Não veio nenhum.

Um comentário:

grazi shimizu disse...

em não tantas palavras, uma perfeita explicação do sabor pela angústia.
[e a imagem nova do layout é ótima!!]