quarta-feira, 9 de setembro de 2009
algemas
quinta-feira, 6 de agosto de 2009
- que saudade da infância! -
quem ouvia as gargalhadas invejava
- que liberdade! -
brincavam à meia-noite
- que pais compreensíveis, brincadeira não tem hora -
pés descalços
- por situação (e condição) -
na rua, mexiam com todos
- que alegria! -
e já tinham até consciência,
respeitadores da lei anti-fumo,
tragavam seu cigarro no ambiente aberto.
quarta-feira, 22 de julho de 2009
Tempos de Imperialismo
Bauru, 22 de Julho. 47,5° C (na sombra)
..
terça-feira, 21 de julho de 2009
quinta-feira, 2 de julho de 2009
anáquiro
sinto que está acabando. faz quanto tempo? comemoramos alguma data há uns dois meses... desculpe, estou tão embriagado enquanto você me encara - também já sabendo que é o fim. não consigo lembrar de nada nesse momento.
você me pergunta o que iremos fazer e com as palavras uma lágrima escorre pelo seu rosto. sinto que devo interromper sua queda com uma mão enquanto a outra ergue suavemente seu rosto pelo queixo para que nossos olhos se encontrem e decidam entre si a resposta para a sua pergunta. com a coragem que falta em nossa fala, encontram um caminho que podemos seguir juntos e fazem um pacto, selado por meus braços que trazem você pra dentro deles e te conforta entre os soluços.
hoje eu sei que tudo acabou quando deixei aquela lágrima escorrer até encontrar o canto de sua boca.
e minhas mãos começaram a me incomodar. já não sabia o que fazer com elas enquanto você aguardava a minha resposta durante aquele instante que pareceu durar por anos. percebo que você não sabe para onde olhar enquanto esperava e começa a olhar para as minhas mãos que guardo nos bolsos de forma nervosa.
o movimento faz você olhar para mim com uma firmeza no rosto, cortado pelo rastro da primeira lágrima, que logo desmorona em mais pranto. de alguma forma você tinha encontrado a resposta em meu rosto.
você me abraça com uma desesperada força que eu não conhecia. eu fico imóvel, com as mãos ainda no bolso, já carregando essa frieza que me acompanha desde então. minha imobilidade acaba quando percebo que você vai se afastar e te seguro ali por mais um momento. com um braço na cintura e outro em seu pescoço. sussurro em seu ouvido novas promessas que não são as respostas que procura. antes de me deixar sozinho ali sentado, o último - e talvez o mais verdadeiro - beijo.
instantes depois, outro par de olhos expulsa lágrimas, que escorregam até encontar as suas em minha camisa borrada por sua maquiagem.
meses passaram e aqui estou novamente pensando em tudo o que aconteceu. preciso tirar essa angústia de mim. percebo que as garrafas vazias de nada valeram. preciso fazer isso de outra forma.
procuro loucamente pelo quarto um caderno.
terça-feira, 30 de junho de 2009
patofagia
o que acho é esse pedaço de papel, tão fragmentado quanto estão agora as ideias que tinha sobre o que escrever aqui. paro e tento entender se queria passar essas palavras para o papel, tentando me comunicar com alguém, ou se é apenas mais uma vez que escrevo por esse vício crônico de colocar os meus berros no papel e depois guardá-los na gaveta com canetas sem carga e maços amassados.
os pensamentos que não fluem me fazem colocar essa maldita música que me joga na cara tantas verdades. minha mão caminha sozinha para o telefone procurando o número dela na memória. enquanto a ligação chama, ela deve estar dormindo pela demora para atender, sinto o medo do qual fujo ao guardar minhas vontades na gaveta.
e ela atende dizendo o meu nome.
segunda-feira, 22 de junho de 2009
11.10
quero saber onde foi parar aqueles sonhos que tivemos. aqueles planos que traçamos. aqueles momento que vivemos.
quero saber o que vou fazer sem aquela certeza de te ver numa noite de sexta. quero saber o que fazer sem aquela incerteza do que você acharia do meu novo corte de cabelo. sem aquela auto-cobrança de ser merecedor de dividir os dias contigo.
quero saber onde posso te encontrar. se você está atrás de mim em minhas lembranças. se você está ao meu lado na fotografia do porta-retrato. se você está na minha frente para que eu possa dizer, ao menos mais uma vez, o quanto preciso de você.
domingo, 21 de junho de 2009
bailarina prisioneira
sabe aquelas 'paixões' por pessoas desconhecidas que encontramos de vez em quando?
a minha é a bailarina prisioneira.
toda terça e quinta-feira é dia de encontrá-la, sempre sorrindo atrás do portão que a separa daquele mundo estranho dos primeiros minutos de fim do horário comercial. pessoas correndo, ligando para namorados, amigos, amantes. pessoas com fome, pessoas sorrindo, pessoas planejando o que fazer nas horas que lhe restam do dia. pessoas sozinhas com a sinfonia de buzinas ao fundo.
e a bailarina parecendo tão inabalável ali com seu sorriso. o cabelo ainda preso e sapatilhas na mão. imagino como seria a sua voz ou a sua risada com o cabelo solto, caindo sobre os ombros naquela luz do sol de fim de tarde que parece procurá-la.
nem cogito a hipótese de falar com ela. prefiro que continue atrás das grades daquele portão e do meu pensamento. e sempre com o sorriso no rosto.
sábado, 20 de junho de 2009
sobre jardins e lixos
sábado, 13 de junho de 2009
II
quinta-feira, 11 de junho de 2009
cruzeiro do sul
deito na minha cama e sinto seu cheiro no travesseiro. saio como animal caçador atrás de ti pela noite afora. talvez essa busca em minha mente seja o que algumas pessoas chamam de sonho - ou alucinação.
tenho delírios por dias seguidos mas o relógio não se move.
preciso te reencontrar para encontrar o meu caminho no brilho de seus olhos. e ali me perco. e ali me acho. e ali eu cedo. e ali eu caio.
segunda-feira, 1 de junho de 2009
Sacrifício
- Tudo bem. E com você?
- Bem, também.
- O que conta de bom?
- Ah rapaz, estou escrevendo minha biografia.
- Nossa que bacana. Mas sua vida é normal, não é Edson? Quero dizer...essas personalidades que tem essas coisas, não é?
- É, então...cheguei ontem a mais ou menos hoje, escrevi quase nada e não tenho o quê escrever.
- A gente só serve pra isso quando morre. Cê sabe que outro dia eu tava lendo o obituário do seu José, aquele do clube, não fez porra nenhuma a vida inteira, mas o texto me deixou comovido, chorei com o texto o que eu não chorei pela morte do coitado! Hahaha
Edson ficou pensativo. Observou um ônibus que vinha em alta velocidade. Olhou para Norberto e empurrou-o na rua.
Assim ganhamos os dois.
quarta-feira, 27 de maio de 2009
Vocação
domingo, 24 de maio de 2009
Alguma quadras abaixo, na entrada de um estacionamento, uma mulher observa triste um cone obstaculizando o portão: está lotado. Minha compaixão é muito grande, não distingue classe ou cor. Dirige-se dessa vez à mulher do carro. Sinto vontade de tirar o cone “Entre!, esqueceram de um lugar ali...” Mas ia ser pior. Medida paliativa. Pioram as coisas, depois. Imagino-a manobrando puta o carro e me xingando.
Medito sobre o ocorrido. Parábola marxista. Talvez minha moeda equivaleria a ação de tirar o cone do caminho. Mais pra frente as duas iam se fuder. O que fazer então? Nada? Me acusariam de conformista...”Todo o mal do mundo vem de nos importarmos uns com os outros,//quer para fazer bem, quer para fazer mal.” Alberto Caeiro. Ah quantos argumentos para ser mesquinho.
segunda-feira, 4 de maio de 2009
indo
a distância não é maior que os meus remorsos.
quinta-feira, 9 de abril de 2009
Outro dia, por exemplo, eu estava com uma dor de barriga e as pessoas passavam por mim e não faziam Nada! Talvez minha cara não tenha expressado bem minha barriga (me reconheço como parte do todo), mas isso não as torna menos insensíveis e indiferentes ao sofrimento alheio.
Mas assim deve ser melhor, já pensou todo mundo se preocupando com você, que inferno seria? E pensando bem, ninguém pode ajudar alguém com dor de barriga. Talvez um remédio possa, ou se a pessoa for um santo fazedor de milagres. Mas dor de barriga é uma questão a ser resolvida ali, você e ela, sozinhos (parecida com a de cotovelo). Na verdade, eu acho até que me lembro, dia desses, de uma velhinha xingando um carro que espirrou água nela.
terça-feira, 7 de abril de 2009
eutanásia
mate de uma vez.
a morte em si não deve ser pior que sentir-se decompondo em plena vida. essa sentimento de
que pedaços de mim vão indo como se nada os prendesse.
estou em coma. parado e quieto enquanto ouço a vida passando, pessoas vivendo e passando, o relógio rodando e o tempo passando.
para que fazer planos? para que venham e rasguem todos os meus mapas? não, não. não faço mais lanos. vou à deriva mesmo.
sempre quis conhecer esse mundo. agora que conheci, não gostei. sinto saudade daqueles tempos, mas sei que não posso voltar e esquecer.
quanto remorso.
coisas que deveria ter feito.
coisas que não deveria.
eutanásia.
segunda-feira, 9 de março de 2009
a outra
"Diferente que só ela", é o que todos diziam. Desde pequena começou a juntar a dúzia de cicatrizes que carrega com orgulho pelas aventuras em sua vida.
Vivia, muito embora sentisse que faltava alguma coisa. De quando em quando, cerrava os olhos obstinada em encontrar a paz de alguns segundos de solidão.
Em sua vida não se encaixavam frases populares, até que conheceu Carlos na montanha. Sujeito diferente e indiferente.
Daí pra frente, a história é conhecida - ela não apareceu no primeiro encontro,a primeira vez que a mentira torna-se uma desculpa, a segunda tentativa... Entediante para quem nunca viveu algo parecido; interessante para quem viveu não sentir-se o único.
E no dia da segunda tentativa de primeiro encontro, faziam-se prontos todos os detalhes exigidos pela moça: jantar, na casa dele, vinho. O segundo bolo que Carlos levou o fez sentir-se um kamikaze. Atirando-se de cabeça em algo como nunca fizera antes. Talvez não fosse tão indiferente.
Liga a moça, horas depois dele ter apagado as velas aos berros, já com algumas taças na cabeça. Diz ao rapaz inverdades esdrúxulas que ele aceita de pronto.
Precisava de esperança. Ou, para alguns, precisava voltar para a realidade.
O apaixonado chegava e a garota fugia. Carlos, sempre, com um largo pedaço de bolo na mão.
segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009
Temos vagas
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009
Viúva-Negra
Vivia na fossa, muito embora nunca tivesse namorado. Encerrava-se em seu quarto como uma solitária obstinada.
Sendo assim, Maomé foi à montanha. Carlos era o nome dele. Vizinho também tímido, mas insistente.
Daí pra frente, a história é conhecida (e entediante) – primeiro encontro, namoro, noivado... O interessante é que veio a seguir.
No dia do casamento, faziam-se prontos todos os detalhes exigidos pela moça: a banda, o guardanapo, as flores. O bolo de casamento, então, parecia um World Trade Center que hora ou outra haveria de cair.
Chega a moça, horas antes da celebração, aos prantos e vestida de luto. Comunica ao noivo que não haveria mais casamento. Precisava de seu espaço. Ou, para alguns, precisava voltar para sua antiga infelicidade.
Os convidados chegavam e logo partiam, com um largo pedaço de bolo na mão.
Achados e Perdidos
Na verdade, ele estava agora mais do que nunca desconsertado. Andava pelo hospital como se fosse um sonâmbulo perdido. O primo de segundo grau morrera às 10h. O sol já começava a se pôr, e o sonâmbulo ainda não entendia se estava na sala de cirurgia ou no elevador.
Não que o falecido fosse seu ente mais querido, mas o médico prometera que a cirurgia era rotineira. Desse modo, a morte surpreendeu a todos.
Fazia o chaveiro bambolear no seu dedo indicador. Era uma mania que tinha desde criança. Com a brincadeira, se perdia cada vez mais no labirinto do hospital.
Encontrou em uma das salas uma senhorinha pálida. Com um ar solitário e de intensa dor. Uma dor muda e sem esperança. Estava na UTI. Começava a entender. Entendeu quando viu o médico cabisbaixo olhar sua paciente.
Não havia ninguém em volta da doente. Nenhuma flor. Sobre a mesinha, nenhuma carta desejando melhoras.
Sentou-se na cadeira destinada aos acompanhantes. Deu um tapinha na mão da enferma e disse:
- Coragem!
Salão de Beleza
Quando um dia a mãe a convidou para passear, tudo mudou.Foram ao salão de beleza. Aquele ambiente parecia trazer às mulheres presentes uma sensação de liberdade para desabafar. Uma liberdade reforçada pelas horas e horas que demoravam os tratamentos capilares.
Foi uma grande surpresa. Nunca ouvira sua mãe falar tanto e tão alto. Um verdadeiro muro de lamentações.
Como uma jornalista investigativa, a menina passou a seguir a mãe nesses encontros. Observava entre os interesses da mãe, aquele que rendia maior tempo de conversa. Como sempre, “nos falta dinheiro”. “Precisamos de dinheiro”.
Daquela primeira visita, passaram-se anos. A diferença da menina era sensível. Ela era agora um pedaço da mãe. Um papagaio de pirata, pronta a repetir as palavras que a genitora proferisse. Sua relação com o pai mudara de maneira proporcionalmente inversa. Sentia um certo asco daquele homem, desde sempre incapaz de sustentar uma família classe média.
Já moça, a menina soube dos lábios do pai a notícia esperada: havia sido promovido, tudo iria mudar pra melhor. Antes de abraçar o pai, foi ao encontro da amiga de confidências, que estava no salão.
Ouviu espantada o descontentamento da mãe. Dizia ela que, na verdade, nunca haviam sido de fato pobres. A mãe ainda acrescentava:
- Ele que não me venha agora se atracar com uma interesseira.
terça-feira, 27 de janeiro de 2009
Grandes passos, rumo a só Deus sabe o quê
Para o desconforto do público, a piada não era o antigo presidente. A base do humor era a semelhança dos discursos do velho e do novo presidente.
“Nós escolhemos a esperança ao invés do medo”
“Nós não vamos nos desculpar pelo nosso estilo de vida”
Qual frase pertence a qual presidente?
As duas são de Obama. De seu discurso de posse. Por incrível que pareça.
Seguindo o programa, pergunta-se a uma das jovens histéricas presentes na posse: “quais são as mudanças que você gostaria que fossem realizadas?” A resposta é um sonoro “humm...”
Não é de se impressionar. Dizem que para mudar, o primeiro passo é admitir o erro. É meio difícil começar uma transformação política, quando você não sabe nem o que está errado. E é lógico que quando um maníaco larga o poder, é um motivo e tanto pra se comemorar.
Talvez por isso haja tanto espetáculo e tanta esperança. Esperança, não confiança. São coisas muito diferentes.
Só o tempo irá dizer se Obama é merecedor do que lhe foi dado. Usando uma gíria do Texas, terra de Bush, tomara que o novo presidente não seja “muito chapéu pra pouco gado”.
segunda-feira, 26 de janeiro de 2009
Quando assistia filmes com sua namorada, nas horas que o herói se arriscava para salvar a mocinha ele vibrava. Achava aquilo muito excitante. Uma vez até pensou em jogar a namorada na jaula de um leão só pra depois pular lá dentro, lutar com o animal e resgatar a dama. Mas conteve-se. Além do que o leão do zoológico era tão magro e anêmico que seria uma covardia bater nele. E isso: co-var-dia; Ricardo não admitia. Sentia ódio dos covardes.
Um dia, Ricardo passeava com sua namorada na praça. Já estava anoitecendo. Mas Ricardo não temia a noite. Sua namorada nem tanto corajosa, advertia para que voltassem. Mas ele queria dar mais uma volta na praça. Quando dobraram a esquina do velho Carvalho deram de cara com dois elementos. Ricardo empalideceu. Um deles puxou uma arma. As pernas de Ricardo bambearam. Cala boca e passa a bolsa vadia! Antes do dia de va-dia, Ricardo arrancara a bolsa e dera aos bandidos. Os dois riram do pânico do menino e saíram tranquilamente. Olha aqui sua vagabunda, se você contar alguma coisa do que houve aqui, eu te mato, ouviu? M-A-T-O. Ricardo era um covarde. Mas as outras pessoas não sabiam disso...
quinta-feira, 22 de janeiro de 2009
fANAtismo e caps lock
minh’alma, de sonhAr-te, anda PERDIDA
meus olhos andam cegos de te ver!
NÃO és seQUER razão de meu viVER,
pois que tu és já toda A minha VIDA!
não vejo nada assim ENLOUQUECIDA…
passo NO mundo, meu AMOR, A ler
no misterioso livro do teu SER
A MESMA história tANTAs vezes lida!
“tudo no mundo é frágil, tudo PASSA…”
quando me dizEM isto, toda a GRAÇA
dumA BOCA divina fala EM MIM!
e, OLHOS postos Em ti, vivo de RASTROS:
“ah! podem voar MUNDOS, morrEr ASTROS,
que TU és como dEUs: princípio E FIM!…”
com florbela espanca
sexta-feira, 16 de janeiro de 2009
Sabor pela angústia
Era muito bem letrado, por isso mesmo pensava agora em vários nomes pra si mesmo: vil, desprezível, inconseqüente, irresponsável. Pensava isso apenas para impressionar a si mesmo, numa tentativa patética de dissuadir-se daquilo que já havia decidido.
(Um cidadão exemplar, que pagava seus impostos com uma exatidão admirável. Nenhum desleixo com a mulher ou com o menino pequeno. Correto até o último fio de cabelo. No mais, experimentava às vezes um escape através culpa - deixava o gás ligado, prevendo a casa e os móveis em chamas. Ciente do que fazia, derrubava a porcelana chinesa ou se atrasava para o jantar. Enfim, um paciente em potencial para o Dr. Freud).
Cigarro terminado, ele reergueu a mochila que levava consigo. Olhou pra trás na busca de um escrúpulo. Não veio nenhum.
quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
Gota D'Água
Os lapsos de memória eram cada vez mais freqüentes, mas nunca ocorrera esquecer dos próprios netos. À tarde, recuperada, conversou mais uma vez com os filhos e explicou o vovô está doente e às vezes acontece sabem...temos de ajudá-lo. Na sala, Marta tinha colocado um cd de bossa nova, paixão de seu Onofre. Fazia o possível pra amenizar aquela condição.
Marta sonhara a vida toda com um casamento perfeito. Como de seus pais: afastados apenas por Deus (e momentaneamente). Lembrava das fotos que sua mãe lhe mostrava, linda com aquele vestido branco: exibindo sorridente e orgulhosa a barriga de quatro meses. A mãe contava-lhe como conhecera seu Onofre, gabava-se dizendo que ele não resistira a seu charme. Seu pai me confessava ser o mais feliz dos homens. Contava à filha que depois, com os anos, as coisas mudavam com os casais, não era mais aquela paixão ardente, de corpo, mas um amor maduro, de alma. Por isso que seu pai hoje é meio quieto. Marta passava as mãos sobre as fotos se imaginando no lugar, já vestira o vestido da mãe. Lia romances românticos, não suportava os realistas.
Conheceu Ângelo quando tinha 22, paixão arrebatadora. Largou a faculdade, vontade própria; não que quisesse ser Amélia, mas os estudos não lhe agradavam. Dois anos depois, casou. Tiveram Pedro e João. Completariam catorze anos de casamento quando descobriu a traição. Divorciou-se.
A mãe morrera dois anos antes da separação, aos 58, câncer no colo do útero. Foi o primeiro golpe na vida de Marta. Sustentou-se nos pilares do casamento, que mais tarde ruíram. Há pouco o Alzheimer do pai. Como se não bastasse tanta desgraça, Marta entrava nos quarenta: a menopausa. Tirava forças do além (e dos remédios) pra cuidar dos filhos e, agora, do pai.
A doença piorava assustadoramente. Os períodos de lucidez foram escasseando-se e os delírios cada vez mais preocupantes. Os remédios combatiam a degeneração da memória, mas pareciam colocar o velho na corda bamba entre a sanidade e a loucura. Marta virara enfermeira do pai, ficava boa parte do dia com ele. Sobrevivia penosamente da pensão dos filhos.
Era música quase todos os dias, Onofre não gostava muito de televisão e Marta pensava que a música poderia ajudá-lo a relembrar das coisas. Uma tarde, eles estavam na sala e começou a tocar “Minha Namorada”. Marta percebeu um murmúrio do pai. Aproximou-se o quê pai? , ele repetia, na terceira, ela pode distinguir: Helena . Helena? disse em voz alta e despertou o pai do transe. Marta ficou intrigada mas não deu maior importância.
Passados alguns dias, encontrou Dona Rita no supermercado, velha enxerida e fofoqueira, antiga amiga dos pais. Perguntou sobre seu Onofre, mentiu respondendo estar melhor. Marta lembrou da tal Helena, você sabe de alguma helena conhecida de papai? Percebeu que a velha se perturbou e tentou disfarçar: Não, não sei, não. Três "nãos" seguidos, suspeito...mas mesmo assim, não insistiu.
Na mesma semana, o pai teve um surto e repetia incessantemente aquele nome. Marta resolveu esclarecer aquilo. Depois que Onofre adormecera com os remédios foi até a casa de Dona Rita. Indagou novamente sobre a tal sem contar os acessos do pai. Percebeu a negligência da outra, mas sabia que estava louca pra contar. Insistiu mais um pouco e pronto, Dona Rita despejou quem era a tal de Helena.
- Nos tempos de colégio, seu pai tinha uma namorada pela qual era tremendamente apaixonado: Helena. Mas, ele sempre foi muito ciumento, uma noite, num baile, os dois brigaram feio; Helena também era apaixonada por Onofre, mas o ciúme era asfixiante. Nessa noite, Onofre acabou saindo com Ana, pra dar o troco, ou melhor para provocar a Helena. Foi apenas uma noite. Depois disso, o antigo casal 20 voltou e diziam que se preparavam até para marcar a data. Algumas semanas depois, sua mãe apareceu grávida. Seu pai teve de desmanchar o noivado e a contragosto casar-se com sua mãe.
Foi a gota d´agua. Marta que repudiava traição era ela mesma fruto de uma. O casamente de seus pais era uma mentira e ela a vida toda aspirou a essa mentira. Agora, para Marta, as coisas se esclareciam, aquele almoço nos quais ele não reconhecera os próprios netos não fora por causa do Alzheimer, ele não os reconhecia como netos mesmo, filhos de uma filha indesejada, uma filha fruto do acaso, pior: da tra-i-ção. Se sentia uma filha maldita. “O bebê de rosemary”, mas a própria rosemary era má.
Na volta pra casa, passou numa farmácia e comprou o cianureto, gatos da rua me perturbam mentiu ao farmacêutico. Chegou em casa e terminou a sopa que preparara para o jantar. Três pratos na mesa, adicionou o cianureto nos três. Chamou os filhos para o jantar. Quando levava a primeira colherada a boca, Mamãe! Que foi Pedro?! Disse com a voz trêmula A oração...Os três rezaram e jantaram.
domingo, 11 de janeiro de 2009
Sobre israelenses e palestinos
sábado, 10 de janeiro de 2009
As insanidades de Papai
- Consegue ver a cavidade craniana no desenho? É ali que fica a inteligência das pessoas. No caso do seu tio, o Tico e o Teco que moravam ali brigaram.
Foi assim que ele explicou a internação de um parente em um sanatório. (Tio Léo, mais tarde apelidado maldosamente de Tio Leléo). O fato é que meu tio, depois de alguns desapontamentos financeiros e amorosos, havia surtado.
Enfim, o que vem ao caso é meu pai e a metáfora dele. Aquela imagem do cérebro, povoado de pensamentos, nunca saiu da minha cabeça.
Durante muitos anos, acreditei na história do Tico e Teco. Mais tarde, numa fase mais Pink Floyd, imaginava minha alma perdida nadando no aquário da minha cabeça.
A essas, seguiram-se outras teorias sobre minha mente, de acordo com meu momento na vida.
Hoje, velho e pervertido, vejo a cabeça como uma residência de ilusões, um palco de cabaré. As dançarinas de can-can entreteram meu tio por um tempo, depois deram-se as mãos, agradeceram e foram embora.
sexta-feira, 9 de janeiro de 2009
minhas nuvens
Os anos passaram e já não deito no quintal, a não ser que por algum motivo eu caía. Não tenho mais o tempo pra ficar vendo as nuvens do céu - tempo, tempo, tempo, tempo, já escrevi sobre isso, mas meu próximo post será sobre ele. Nesse processo de ficar velho a gente vai esquecendo dessas coisas, hoje só olho pro céu pra saber se vai chover ou pra reclamar do calor.
Mas sabe aquelas coisas que acontecem e você tem aquele 'plim!'?
Alguns dias atrás um passáro passou muito perto da minha cabeça e subiu para o céu. Depois do susto, eu o segui com os olhos enquanto começava a resmungar quando: óóó! que céu bonito!
Parei e fiquei ali naquela calçada. Vendo o céu azul com aquelas nuvens indo e umas nuvens mais altas vindo da direção contrária. Devo ter ficado ali por pouco tempo, só o suficiente para alguém perceber aquilo e rir.
Mas foi boa a sensação, voltar tantos anos em tão poucos segundos.
quarta-feira, 7 de janeiro de 2009
A Lagartixa Selvagem
Recuperado do susto, encarei-a através do vidro. Ela dava voltas inquieta. Asquerosa. Foi então que minha natureza humana mostrou porquê está no topo da cadeia evolutiva: corri pegar uma vassoura. De arma em punho entrei no banheiro tal um cruzado na conquista do meu espaço sagrado invadido por um réptil pegajoso. Mas ela não estava mas lá. Que estranho. Porém, não me precipitei. Peguei um balde com água e joguei lá dentro. Era uma armadilha! Ela havia se escondido num ponto cego do box. Quando viu a onda de água em sua direção subiu na parede. Eu sabia que era fingimento, ela não era velha coisa nenhuma...Quando viu a vassoura assustou-se. As vassouras são as arquiinimigas das lagartixas. Das baratas, também. Ela correu até o vitrô. Prensei-a na parede e ela caiu. Quando se viu acuada atacou-me num tudo ou nada. Confesso que recuei (mas apenas um passo). Ela ganhou terreno e pode preparar a fuga. Deixei que escapasse num ato misericordioso.