quarta-feira, 4 de junho de 2008

Ônibus Califórnia

Como a gente viaja, não? Mesmo que a gente fique nossa vida inteira no mesmo lugar é impossível não se cansar de tantas idas e vindas. Como um rapaz que esses dias resolveu tomar o primeiro ônibus que aparecesse. Deu uma nota de 50 reais à atendente e pediu a ela que escolhesse um destino qualquer.
No corredor do ônibus, ao procurar o numero de seu assento, o sujeito se surpreendeu ao ver o espírito geral dos passageiros. O veículo parecia estar levando uma expedição da escola ao zoológico, tal era a inquietação das pessoas.
Um homem com uma valise no colo repetia para si mesmo um discurso sobre suas qualificações profissionais – talvez estivesse viajando para pedir um aumento ao chefe da empresa, ou algo parecido. Um sujeito vestido como se fosse à praia passava insistentemente o protetor no rosto já todo esbranquiçado. Como esses, eram vários os tipos: o bagunceiro, o calado, o estudante, o tristonho, o pai e o filho...
Já saindo do êxtase para a exaustão, a cabeça do rapaz começou a misturar os pensamentos, assim como o ônibus, que começou a girar cada vez mais desfocado. Antes que o sono começasse de maneira efetiva, o rapaz ouviu a voz do jovem que sentara a seu lado:
- O senhor vai pra onde?
O garoto nem chegou a ouvir a resposta, o rapaz já estava dormindo, ou fazia parecer assim.
Em meio aos sonhos, que ele podia sentir que eram sonhos, sentia do ônibus apenas o balanço da aceleração e da desaceleração. Para sua sorte, os passageiros haviam se calado.
No auge da dormência, quando os sonhos não mais pareciam sonos, o rapaz foi acordado de maneira brusca.
- Escuta aqui, como assim você ainda não sabe pra onde vai?
Sua vontade era a de esganar o garoto e todos os outros passageiros que, agora em pé no corredor, olhavam para ele como se fosse um criminoso. Não foi necessário esganá-los. Assim que seus olhos se abriram já readaptados à luz, todos haviam sumido.
Pelas janelas do ônibus dava para ver apenas uma grande nuvem de poeira, como aquela dos desenhos quando um personagem sai correndo muito rápido. Nessa nuvem, estavam as passagens jogadas ao ar pelos passageiros. O cobrador tentava pegá-las nervosamente, mas os desenhos que elas faziam durante a queda enganavam os sentidos do velho trabalhador.
O rapaz então saiu do ônibus e começou a ajudar o velho a recolher os bilhetes. Lembrou-se da pergunta que o impedira de dormir e passou a olhar fixamente para os detalhes da passagem. Lá estava o destino do ônibus com a letra manuscrita: casa.
Nós estamos sempre voltando pra casa.