quarta-feira, 10 de setembro de 2008

A pedra e a porta III

A pedra ouvia incrédula as palavras da lixeira. "Não pode ser verdade. Tenho fé na pureza de minha amada." Mas a lixeira continuou a semear a discórdia e confirmou o ditado: água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. A pedra que antes fingia não ouvir agora já olhava atravessado para a suja Iago. Pediu então a um grilo, que ali perto estava, que fosse até a porta indagá-la sobre. Num pulo, chegou. A porta surpresa começou a gaguejar a resposta. O grilo estranhou. Ela proferiu impropérios sobre a lixeira, disse para não dar ouvidos, contou a versão verdadeira sobre os dois. Mas contou. Noutro pulo, o grilo voltou e reportou o que ouvira a porta, mas de trás-pra-frente. Quando ouviu sobre a existência do caso não quis ouvir mais nada, nem a versão verdadeira. Estilhaçou-se em mil pedaços.

O dia seguinte amanheceu com nuvens negras a anunciar tragédia e tempestade. A pedra mostrava olheiras semblante carregado e um hálito de bebida. A porta de tanto chorar a noite estava meio envergada. A lixeira se ria por dentro. Os primeiros pingos caíram antes do almoço; depois dele, o vendaval e a enxurrada limpavam tudo que se passara há pouco, a sujeira e a beleza. A pedra nem ofereceu resistência, deixou-se levar para o bueiro. A porta assistia desesperada ao desfecho. Num impulso, trancou-se. As pessoas batiam querendo fugir da chuva, mas não abria. Até que vieram três e noutro impulso fizeram-na em pedaços.

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