terça-feira, 12 de agosto de 2008

Cubículos

Após alguns anos de trabalho no escritório, ele se sentiu doente. Eram umas crises que começavam com uma leve dormência. Logo o quadro evoluía para uma intensa dor de cabeça e cansaço.
Ausentou-se do trabalho por motivo da doença. O médico da empresa o achou muito novo para estar tendo um derrame. Chutou estresse ou problema psicológico – como virou moda hoje em dia.
Não havia motivo para nenhum problema psicológico. A rotina era a mesma de sempre.
Viu-se obrigado a conviver com um numero maior de colegas de profissão. Afinal, era preciso convencer toda uma empresa que ele precisava mesmo se ausentar.
Incrível que hoje em dia não há mais privacidade nem na dor de uma doença. Foi só ele contar que logo todos sentiam a mesma dor que ele. E não chegava a ser mentira. Muitos foram capazes de descrever sintomas que ele mesmo não fora capaz de descrever.
Outras empresas da cidade enfrentavam o mesmo problema. Muitas vezes a dispensa médica era difícil de conseguir porque os chefes também se sentiam doentes. E assim com os vice-chefes, chefes de departamento e supervisores responsáveis.
Os trabalhadores que saíram de seus cubículos para pedir demissão, não encontraram ninguém. Nos almoços de negócios, muitos pediram licença para ir ao banheiro. O suor na testa indicava uma crise de dormência geral. A mão para secar a gota apresentava uma transparência. Ao espalmar a mão sobre a testa, o espelho indicava apenas uma testa – essa é a definição de transparência.
Não é preciso dizer que logo o espelho não apontava mais uma testa também.
Sobraram apenas pedaços de panos em formatos de pernas ou tronco. Para outros nem isso sobrou. Aos que restaram pano, formaram-se grupos de 3 listras, jacarezinhos e nomes franceses. Aos outros, restaram apenas panos sem forma nenhuma.

Um comentário:

Anônimo disse...

Me lembrou José Saramago essa crônica.