sábado, 31 de maio de 2008

Corrida de Gotas

Sentou ensopado no banco de trás e voltou-se a suas meninices. As vozes dos bancos da frente debatiam as estranhezas dos vizinhos ou a falta de habilidade dos motoristas. Olhou para a janela, tentando esquecer o tédio do caminho sem grandes novidades. Dia após dia, ele decorara o trajeto. A lombada exagerada que fazia o carro pular, a árvore grande que fazia sombra na calçada inteira, um prédio de seis andares, outro de sete...
Atentou, então, para as gotas que caiam com insistência sobre a janela embaçada do carro. Com a mão espalmada, alisou criteriosamente todo o vidro, como se desse tchau a alguém do outro lado da rua. A superfície, agora transparente, mostrava um desenho de listras feito pela água. Imaginou no quadro uma corrida, sendo as gotas de água as competidoras. A pista era simples, começava na parte alta da janela e acaba quando esta se fundia com o corpo metálico da porta – a gravidade, como se vê, é inquestionável.
Olhava agora fixamente para pares ou trios de gotas, sempre imaginando qual delas sairia triunfante do combate. Vez ou outra, uma das gotas somava-se a outra e perdia por desistência o resto da corrida. Havia também aquelas que aceleravam e explodiam à toda nas poças que recepcionavam, deslumbrantes, as corredoras vitoriosas. A corrida rendeu poucos minutos de distração, o vidro zebrado já voltava agora à sua face não tão transparente, como se o mal tempo ameaçasse o fim da corrida e a prova tivesse que ser interrompida.
Foi quando percebeu que as linhas feitas pelas competidoras eram diferentes, apesar do caminho previamente escolhido pela física. Algumas gotas escolhiam um lado e esqueciam da chegada. Outras pareciam indecisas, iam e voltavam de um lado para o outro. Nenhuma, porém, girava em círculos. Nenhuma dava meia volta e disparava em direção ao ponto de largada. Mesmo assim eram muito interessantes, notáveis em sua coragem de não ficar na preguiça, de não cair e decidir ficar por ali mesmo. Incrível como, mesmo assim, todos os outros prestavam atenção nas estranhezas dos vizinhos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Que cronica bacana! Eu tambem ficava olhando pras gotas correndo pela janela durante a chuva e ficava pensando em coisas parecidas.